quinta-feira, 7 de maio de 2009

Gui Menezes faz balanço positivo do Simpósio Internacional

Faial no “centro do mundo da investigação do mar profundo”

O Simpósio Internacional que juntou mais de 20 nacionalidades a debater as questões relacionadas com os ecossistemas marinhos de profundidade na Horta na passada semana foi bastante produtivo, e permitiu alargar conhecimentos e trocar ideias, numa perspectiva multidisciplinar sobre esta temática. Quem o diz é Gui Menezes, do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dosores, responsável pela organização do evento, que contou com mais de 170 participantes. O simpósio foi transmitido através da Internet para todo o mundo, e, para além dos participantes que encheram o salão do Amor da Pátria, foi possível a uma média de 300 pessoas por dia assistir on line ao evento. Como refere Menezes, o Faial foi, verdadeiramente, “o centro do mundo da investigação do mar profundo” durante quatro dias. Apesar das dificuldades inerentes a pôr de pé um evento destas dimensões, o investigador mostra-se satisfeito com o resultado, e sente-se recompensado pelo feedback positivo que tem recebido. Destacando o trabalho de voluntariado da equipa do DOP e os apoios recebidos, não tem dúvidas de que o Faial tem condições para receber mais eventos do género.

Porquê fazer o simpósio na Horta?

O simpósio foi realizado no âmbito do ICES (International Council for the Exploration of the Sea). Eu e vários colegas participamos em alguns grupos de trabalho dessa organização internacional, que tem sede em Copenhaga, e de que Portugal faz parte. Há dois anos, o ICES propôs a realização de um simpósio que tratasse das questões relacionadas com o mar profundo. Na altura eu estava na reunião desse grupo de trabalho e propus que o simpósio fosse cá.

Alguns colegas irlandeses também mostraram interesse em que fosse na Irlanda, mas o ICES decidiu que fosse no Faial. Naturalmente que, tratando-se do mar profundo, os argumentos que utilizei para “ganhar” a candidatura prenderam-se com o facto dos Açores serem um arquipélago todo rodeado de mar profundo, portanto faria todo o sentido. Além disso já tínhamos alguma experiência no estudo destas questões, nomeadamente na área das pescas.


Que balanço faz deste simpósio?

São vários os balanços a fazer; foi um simpósio bastante denso. Tivemos durante quatro dias na Horta os maiores especialistas mundiais nas várias áreas relacionadas com o mar profundo. Por ser um simpósio multidisciplinar não se cingiu apenas às questões da biologia e da ecologia, mas abordaram-se várias outras questões: questões de governação e direito internacional no âmbito da gestão dos oceanos, questões relacionadas com as alterações climáticas (um tema que nos preocupa a todos hoje em dia), questões da bio prospecção e das novas tecnologias, entre outras. Penso que essa multidisciplinaridade atraiu muitas pessoas ao simpósio, pois há necessidade de sabermos que progressos ocorrem noutras áreas do conhecimento. Essa troca de experiências foi muito produtiva.
Pessoalmente, como organizador do simpósio, confesso que superou as minhas expectativas, em termos da qualidade das apresentações, e da pertinência dos assuntos tratados.
No final escolhemos uma pessoa de cada uma das temáticas abordadas, e pedimos-lhes que fizessem um sumário. Esses sumários irão ser compilados, numa síntese daquilo que foi abordado aqui durante estes dias.
Quanto às questões do âmbito governativo, ficou claro que os instrumentos legais internacionais para a gestão dos oceanos necessitam de ser aperfeiçoados e de contemplar questões que estão a surgir, e que não estavam previstas, por exemplo, quando a Lei do Mar foi aprovada. Sabemos que o oceano profundo começa a ser muito cobiçado por empresas privadas e esse facto é visto de acordo com duas linhas de pensamento: uma defende que o mar profundo é património da humanidade; outra que se deve seguir um sistema competitivo, e que quem chegar primeiro adquire direitos de exploração.

Relativamente aos Açores em particular, falou-se das questões legais associadas ao relacionamento da Região com a República, e da necessidade, por exemplo, de planeamento da área marítima portuguesa, onde há zonas de fronteira e conflito entre as legislações nacional e regional, e ao nível das competências de cada um dos órgãos governativos. Estas situações têm de ser aperfeiçoadas e esclarecidas.

Quanto à bio prospecção, esta coloca-nos actualmente questões muito complicadas, até do ponto de vista ético. Ouvimos pessoas desta área que nos disseram que há empresas a patentear o genoma de alguns organismos de profundidade. Como sabe, ainda não se conhecem muito bem esses organismos, mas sabemos que, como vivem em ambientes extremos, podem ter características muito úteis ao Homem, ao nível da Medicina. Já sabemos que, por exemplo, nas fontes hidrotermais existem alguns organismos com potencial para a biomedicina. Isto coloca-nos questões éticas: não foram essas empresas que inventaram aquele organismo; ele foi criado pela natureza. Com é que é possível que uma empresa adquira direitos sobre esses organismos, que no fundo também são património da humanidade? Tudo isto está agora a ser discutido.
Falámos ainda dos últimos desenvolvimentos tecnológicos. Um colega norte-americano, um dos grandes especialistas da engenharia no que toca a desenvolver veículos para ir às profundezas do oceano, falou-nos dos desafios inerentes a essa actividade, e daquilo que está a ser feito de momento. Disse-nos, por exemplo, que dentro de alguns meses vão enviar um veículo a uma profundidade de 11 mil metros, o que trará mais-valias importantes para a ampliação dos conhecimentos. Falámos também do grande desenvolvimento a que se tem assistido nos observatórios subaquáticos. Temos um exemplo de grande sucesso na costa da Califórnia. Estão a ser desenvolvidos alguns observatórios desse tipo na Europa, e pensa-se que um deles possa ser instalado numa fonte hidrotermal açoriana.
Falámos também de pesca e dos problemas que continuam a existir em relação a esta questão. Naturalmente que muitas das pescarias industriais de profundidade não são sustentáveis e têm provocado impactos enormes nos fundos marinhos. Essa preocupação é cada vez maior. Neste aspecto, o simpósio foi interessante porque ouvimos não só os cientistas mas também o outro lado desta questão: esteve presente um organismo do Índico que reúne várias associações de pescadores que pescam em profundidade e também vieram dar a sua perspectiva sobre estas questões. Houve um confronto interessante entre os cientistas, mais defensores de que seja, por exemplo, proibido o arrasto em águas internacionais, e os pescadores. Todos procuram conciliar a manutenção dos ecossistemas com a melhor exploração possível dos recursos que esses oferecem, para o desenvolvimento dos países.
Houve palestras muito interessantes em relação às alterações climáticas. É um problema que atinge também as profundezas, e de uma forma bastante dramática. No início do século XIX pensávamos que não havia vida além dos 600 metros. Hoje sabe-se que a biodiversidade das grandes profundezas é enorme. Têm-se descoberto variadíssimas espécies. Em relação ao impacto das alterações climáticas nessas espécies, sabemos que bastam pequenas alterações na acidificação dos oceanos para causar transformações enormes nesses ecossistemas do mar profundo, pois estes não se adaptam tão rapidamente como outros ecossistemas mais à superfície, por isso as alterações climáticas podem provocar mudanças enormes nos fundos marinhos.

Tendo em conta todas as conclusões saídas desta simpósio, quais os desafios que se colocam à Região quando falamos de ecossistemas de profundidade?
Colocam-se vários desafios. Um deles é o que se prende com a governação e a gestão. Há que saber de quem são as competências, defini-las muito bem e, por outro lado, tentar tirar o máximo proveito das riquezas que temos. Uma das temáticas abordadas nesta área foi a exploração mineira: hoje sabemos que nos fundos marinhos há um grande potencial nessa área. Zinco, cobre, ouro, são exemplos de matérias-primas que começam a rarear na superfície terrestre mas, tal como acontece com o petróleo, existe ainda um grande potencial por explorar nos oceanos. Nos Açores esse potencial existe, segundo os nossos colegas geólogos. É preciso cartografar muito bem os potenciais locais de exploração, e saber explorá-los de uma forma sustentável. Julgo que não podemos ter uma visão romântica dos fundos marinhos. Os Açores devem aproveitar os recursos que têm desde que isso seja bem feito e não prejudique o ambiente. Tivemos a possibilidade de conhecer no simpósio a única empresa mundial que neste momento tem uma licença de exploração de zinco e de cobre na Papua Nova Guiné. É um trabalho excepcional, onde colaboram cientistas de várias áreas, não só no que toca ao desenvolvimento tecnológico mas também quanto ao estudo do impacto ambiental provocado por esta actividade. Uma das áreas com grande potencial para a exploração mineira são as fontes hidrotermais. Estes são no entanto ecossistemas muito vulneráveis, e, portanto, tem de haver um grande cuidado nessa exploração.
Temos de encontrar formas de tirar mais-valias das nossas riquezas aquáticas. Não nos serve de nada dizermos que temos um milhão de km2 de mar e depois não tirarmos partido desses recursos. Isso exige um grande esforço financeiro.
Quanto à exploração mineira, eventualmente a melhor abordagem será estabelecer parcerias com empresas privadas com experiência na área. Penso que podemos avançar para esse tipo de coisas, para diversificar a nossa economia. Temos é de fazer um estudo prévio, o que é outro desafio. Portugal só recentemente se foi apetrechando com plataformas de investigação. Temos dois navios excelentemente equipados e já temos também um veículo remotamente operado (ROV) que vai a seis mil metros de profundidade. Neste momento somos um dos únicos países do mundo a ter um veículo com estas capacidades. Toda a comunidade científica e os governos nacional e regional estão esperançados em perceber melhor o potencial da exploração mineira.
99% da área marinha dos Açores é oceano profundo, e dessa área muita é ainda desconhecida, até porque não temos capacidade técnica de lá chegar. Mas com este avanço tecnológico vamos começar a ter uma ideia mais real desse potencial.
Do ponto de vista da biologia do mar profundo, os Açores são uma zona extremamente interessante pois estamos numa área de fronteira entre vários ambientes, e por isso temos uma variedade de ecossistemas de profundidade: fontes hidrotermais, montes submarinos, planície abissal, zona da cordilheira médio-atlântica... Todos são ecossistemas distintos uns dos outros, e esta diversidade é excepcional.


Como caracteriza o trabalho que tem sido feito pelo DOP no estudo desses ecossistemas?

Penso que nos últimos anos, e graças também a parcerias internacionais que temos conseguido, temos crescido em termos de know-how e de “massa cinzenta”. Actualmente, grande parte das pessoas que trabalha no DOP tem doutoramentos, muitos deles feitos em universidades estrangeiras. São investigadores com experiência de contacto com outras equipas de investigação, que vêm extremamente bem preparados e que nos permitem entrar nessas redes de investigação e dar passos muito interessantes, inclusive quanto à nossa produtividade científica. Esta mede-se tradicionalmente com o número de publicações em revistas científicas, e nesse aspecto estamos muitíssimo bem colocados, mesmo em termos nacionais.

Temos dado passos muito importantes em várias áreas, mas eu destacaria a pesca de profundidade, onde já temos boas bases de dados, e também as fontes hidrotermais. Começamos também a explorar novas áreas, como é o caso da biotecnologia, que me parece ter futuro aqui nos Açores, nomeadamente quanto à exploração da potencialidade dos organismos de profundidade, de que já falámos.
O estudo do funcionamento dos montes submarinos tem sido também muito importante. Na Região temos mais de 300 montes submarinos, 63 dos quais são grandes. O funcionamento deste tipo de ecossistemas ainda é pouco conhecido, e nós temos capacidade de estudá-los, porque estão aqui à porta. Julgo que vamos conseguir, e podemos ser líderes da investigação mundial nessa área.


Essa é uma ambição do DOP?

É uma ambição de alguns dos nossos grupos de trabalho. Temos um projecto bastante ambicioso, aprovado no ano passado, no âmbito do qual pretendemos fazer de um monte submarino uma zona de estudo só para a ciência. Queremos fechar temporariamente um monte submarino à pesca para podermos lá pôr equipamentos e estudá-lo aprofundadamente, de modo a tirar ilações para os outros. Mais de 60% da nossa pesca é efectuada em montes submarinos, e temos de conhecê-los melhor até porque sabemos que faltam conhecer alguns detalhes fundamentais para poder garantir uma pesca sustentável. Um monte submarino protegido em 63 não será muito. Nós precisamos de fazer experimentação, de ter material fundeado, e como os equipamentos são muito caros não podemos correr o risco de um aparelho de pesca passar por cima e estragar a experiência ou os equipamentos.

Tendo em conta aquilo que o DOP tem observado nos seus estudos, se lhe pedisse que me fizesse um “diagnóstico” dos ecossistemas marinhos de profundidade, o que me diria?

Felizmente as nossas artes de pesca não são muito destrutivas. Utilizamos essencialmente linhas de mão e palanque de fundo. Mas sabemos que qualquer arte de pesca tem algum impacto, nalguns sítios mais que outros. Temos que ter alguns cuidados, principalmente para o futuro. Como só agora é que estamos a adquirir meios que nos dão mais capacidade de visão sobre os nossos fundos marinhos, vamos começar a perceber melhor o estado desses locais. De um modo geral, penso que não nos interessaria termos mais barcos de pesca, pois os nossos recursos estão no limite de exploração. O nosso esforço de pesca está no ponto crítico do balanço entre a economia da pesca e uma exploração sustentada dos recursos. Passar este ponto é arriscar, até porque estamos a falar de ecossistemas bastante vulneráveis.
Além disso estamos isolados geograficamente das margens continentais, o que significa que muitas das espécies que aqui vivem e se reproduzem dependem exclusivamente desta região. Ao sobrexplorarmos uma destas espécies temos de contar com muitos anos para recuperar. Por isso devemos limitar o esforço de pesca.

No simpósio, notou sensibilidade das entidades governativas no sentido de garantir esse equilíbrio?

Notei. Nós tivemos membros do governo na sessão de inauguração do evento, e tivemos representantes da administração regional e nacional permanentemente no simpósio a adquirir informação e a perceber o que se está a passar no mundo em termos de mar profundo. Tivemos também vários organismos internacionais que mostraram muito interesse em participar. O oceano profundo está cada vez mais sob pressão, e às vezes o desenvolvimento económico da exploração dos recursos é mais rápido que a nossa capacidade para perceber os sinais dos ecossistemas.

Falando um pouco mais do aquecimento global, que impacto se conhece que tenha nos ecossistemas de profundidade?
Esses impactos ainda são pouco conhecidos, mas foram dados exemplos bastante preocupantes. O oceano absorve grande parte do dióxido de carbono da atmosfera. Este é responsável por um fenómeno químico que altera o PH dos oceanos tornando-os mais ácidos. Os organismos que não tenham capacidade de tolerar essas diferenças de acidez morrem.
A última palestra do simpósio foi feita a partir de Itália, em videoconferência, com um professor que tem um trabalho muito recente em que estuda bactérias e vírus do oceano profundo. Ele afirma que há um equilíbrio muito grande entre uns e outros, que contribui para reciclar a matéria orgânica no oceano. No Mediterrâneo foi possível ver que pequenas alterações no PH do fundo do mar provocam uma mortalidade enorme nesses vírus, que deixam de poder matar as bactérias e todo o ciclo é afectado. E todos os ciclos acima vão ser afectados. É um efeito bola de neve, e pode ter implicações enormes para o oceano.

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