quinta-feira, 20 de novembro de 2008


E nós aqui no meio de não saber de nada

Teatro de Giz estreia nova peça

“E nós aqui no meio de não saber de nada”, assim se intitula o mais recente trabalho do Teatro de Giz, que sobe ao palco do Teatro Faialense na próxima quarta-feira, dia 26 de Novembro, a partir das 21h30.
Com encenação de Tiago Porteiro, este trabalho surge da vontade do Teatro de Giz de não deixar em branco a efeméride do 50.º aniversário do Vulcão dos Capelinhos. Inicialmente com um apoio previsto da Comissão Executiva das Comemorações, o Teatro de Giz teve de ajustar as ideias que tinha para este projecto, em virtude do referido apoio nunca ter chegado. No entanto, não baixaram os braços, e a peça aí está, pronta a apresentar ao público faialense.
Um trabalho ambicioso, resultado de uma série de workshops na área da escrita, da música e da fotografia, que ganha forma a partir da coordenação das várias áreas em cima do palco.
Estivémos à conversa com Tiago Porteiro, que nos falou um pouco deste projecto.


Como é que surge a ideia desta peça?
A peça surgiu no contexto dos 50 anos do Vulcão, e foi proposta à Comissão Executiva. Num primeiro momento o acolhimento a este projecto foi positivo, e ele foi-se construindo a partir daí, mas depois a Comissão deu o dito por não dito, por isso a peça ficou de fora do programa, mas o Teatro de Giz achou por bem continuar com o projecto.
Contámos com o apoio da Direcção Regional da Cultura, da Câmara Municipal da Horta e da Hortaludus, e de uma série de outras entidades que ajudaram a por de pé o projecto, para além de um grande esforço dos elementos do Teatro de Giz.

Fale-nos um pouco do processo…
Era um projecto ambicioso, que tinha a intenção de envolver toda a ilha, fazendo pequenos espectáculos. Por vários motivos, nomeadamente a falta de apoio da Comissão Executiva das Comemorações do aniversário do Vulcão, acabámos por reduzir a este espectáculo no Teatro Faialense.
Desde início a ideia foi partir de linguagens diversificadas e cruzadas, numa abordagem do Teatro como possibilidade de cruzamento de linguagens: imagem, música, escrita de texto, e depois toda a parte de encenação. Por isso pensámos um projecto ao longo do ano, onde os elementos do Teatro de Giz, e não só, iriam passar por diferentes oficinas, e ir preparando os elementos que depois iriam compor o espectáculo.
Houve a oficina da imagem (dirigida por Virgílio Ferreira), um trabalho de escrita, orientado pelo dramaturgo Carlos Machado, onde o texto foi escrito, e uma oficina de música, orientada por Carlos Guerreiro. Foi a partir desse material que eu fui trabalhar.
A proposta do grupo da escrita não foi no sentido de documentar o Vulcão, porque houve muita coisa escrita e dita sobre isso. Preferiram enveredar por um caminho sui generis e curioso, partindo da seguinte ideia: o que é que seria uma abalo interno; um vulcão no interior de uma pessoa? Pode fazer-se uma alusão fantástica, imaginária, às pessoas que vivenciaram o Vulcão, mas do ponto de vista das perturbações internas e íntimas que por analogia se possa comparar entre um vulcão na natureza e um vulcão no interior de uma pessoa. Era uma matéria textual muito particular; estranha, do ponto de vista dramatúrgico, com muito poucos diálogos, muito fragmentada, muito discutida. Depois disso, começou-se a trabalhar. Eu não vivo cá, vim cá duas ou três vezes, para começarmos a meter a mão nessa lava. Pouco a pouco foi-se reescrevendo, adaptando articulando, escolhendo os actores, criando a equipa e a dinâmica de trabalho, e tudo isso veio a resultar neste espectáculo.

Foi um processo complicado?

Sim, todos os processos são particulares, e este é um projecto de teatro que envolve muita gente, pessoas com vários níveis de experiência, com um texto com as particularidades que este tinha, com a minha vinda fragmentada… Além disso, a temática do Vulcão é peculiar, pois é difícil captar essa força enorme; desmesurada, que é a força do mundo, no fundo, porque os vulcões foram o berço do surgimento da vida. Foi um desafio enorme; todos esses ingredientes fizeram com que não fosse um processo simples, mas sim uma aventura criativa, e humana. Ainda a uma semana da peça estamos a ver aparecer coisas. É um processo de descoberta.

Como é que o Tiago embarca nesta aventura?
Embarco de forma natural. O Teatro de Giz queria integrar as Comemorações dos 50 anos do Vulcão; achava que não podia passar ao lado da efeméride, tão particular para o Faial. Eu estava por cá, por acaso, e sugeriram-me que apresentasse uma proposta, o que eu fiz. Conheço muita gente do grupo, sou de cá, trabalho em Teatro, já tinha trabalhado com o grupo há 10 anos… Foi um processo natural. E eu tinha o desejo de voltar a trabalhar com o Teatro de Giz, na minha terra, e neste caso foi muito especial trabalhar pela primeira vez no Teatro Faialense, que estava fechado quando eu era miúdo… Foi um desafio diferente.

O que é que o Tiago diria para convencer o público a vir ver a peça?
Venham ver!. Quis-se um espectáculo heterogéneo, que tem música ao vivo, imagem, luz, trabalho de actores… Tem ingredientes de diversas linguagens. Implica alguma tecnologia também, que ajuda a trazer espectacularidade ao conjunto. E, sobretudo, tem também estas palavras muito particulares, dos “habitantes imaginários” do Capelo e do Faial, que vivenciaram o Vulcão.
Tenho um desejo particular de que as pessoas do Capelo, com ligação mais particular ao Vulcão, venham ver a peça. Acho que é uma abordagem à temática do Vulcão nunca vista, e isso é aliciante para que muitas pessoas que não vêm por hábito ao teatro virem ver, interrogar, criticar, aplaudir, discutir connosco. Penso que não serão defraudadas.
Não se coíbam de vir ao Teatro, porque o Teatro é esse lugar de cruzamento de pessoas diferentes, com mais ou menos prática, de uma multiplicidade de pontos de vista, de identidades diferentes, o que faz com que o Teatro seja uma festa, onde se vê o imaginário realizado.

Esta é uma peça para nos fazer pensar, rir, chorar?...

Espero que tudo isso. É um espectáculo visual, musical… As palavras são cinzentas, mas permitem reflectir sobre o renascer, o recomeçar após perder tudo, as perturbações internas de cada um… Como é que vamos descobrindo, avançando e recomeçando, após qualquer coisa que nos acontece, nos abala, nos faz tremer…

Quantas pessoas estão envolvidas neste processo?
Muita gente: os participantes nos vários workshops, os actores, a produção, a cenografia, a luz, o som… Ao longo deste trabalho, como não podia estar cá sempre, tive uma colaboração muito íntima, rica e fundamental, de um amigo com quem tenho uma cumplicidade artística de há muitos anos, o Jorge Parente, que nos ajudou a gerir todo este conjunto de pessoas. Estão envolvidas entre 30 e 40 pessoas, das quais temos oito actores em cima do palco, e teremos entre quatro e seis músicos.

Este é um projecto ambicioso, diferente do que se tem feito por cá… Quais são as suas expectativas em relação às reacções?
É de facto muito ambicioso este projecto, onde participam profissionais consagrados de algumas das várias áreas envolvidas. As expectativas são grandes, e eu próprio estou surpreso em relação à forma como conseguimos por esta complexa máquina a funcionar. Em relação à estreia, é uma incerteza, todo o processo é uma descoberta que se faz dia-a-dia. Vai crescendo e eu já não o controlo, já se controla por si, e tem a sua coerência. Mas começo a ficar muito contente com o que vejo.

Pelo seu percurso no Teatro, o Tiago é a pessoa certa para fazer um diagnóstico da actividade cultural, e teatral, no Faial… Que evolução tem visto?
O facto do Teatro Faialense estar em actividade permitiu uma evolução, porque é uma “casa”; uma referência que tem uma actividade regular, não só de Teatro mas de várias actividades culturais. Estou surpreendido e acho que se vive na ilha um investimento na cultura fundamental, e isso agrada-me. No Teatro, sei que a Direcção Regional da Cultura tem investido em formação nos grupos amadores. Quero salientar dois grupos que conheço bem, o Teatro de Giz e o Carrossel, que têm linguagens diferenciadas, mas têm feito um excelente trabalho, principalmente tendo em conta o facto de serem amadores. Ás vezes agrada-me mais trabalhar com os amadores, as pessoas que “amam” o teatro; é muito tocante.
O Teatro de Giz tem criado uma dinâmica que os coloca num circuito com efeito bola de neve, em que eles têm crescido. Trabalhei com eles há 10 anos e é notória a evolução. A Ilha de Arlequim teve aqui um papel importante, por tudo o que possibilitou.
Fico muito contente de ver esta evolução, mas é claro que achamos sempre pouco. O importante é que cada vez mais pessoas tenham acesso ao Teatro, e gosto em vir ver as peças.

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