quinta-feira, 9 de outubro de 2008



Esta reportagem fi-la na faculdade, em 2006, para a cadeira de Géneros Jornalísticos. Tendo em conta o tempo que passou, já não tem grande valor notícia (e pronto, lá se vai a pertinência do título deste blogue). No entanto, nunca chegou a ver a "luz do dia" e, pelo trabalho que deu e pelo facto de me ter permitido aprender muito, acho que conquistou o seu lugar aqui...




Geração "Morangos"


São onze horas da manhã e soa a campainha para o intervalo na Escola Básica de Pedro Miguel, ilha do Faial, Açores. Enquanto uma parte dos alunos corre para a rua para aproveitar o bom tempo, que só recentemente apareceu, um outro grupo reúne-se nos degraus da escada para começar a sua mais recente brincadeira favorita: jogar com os cromos da série “Morangos com Açúcar”. São os “morangomaniacos”, um grupo cada vez maior entre as crianças portuguesas.

“Morangos com Açúcar” – O Fenómeno

Quando o primeiro episódio de “Morangos com Açúcar” foi para o ar, a 1 de Setembro de 2003, foi apresentado como mais uma das grandes apostas da TVI. No entanto, o êxito da série juvenil da autoria da Casa da Criação e produzido pela NBP superou todas as expectativas: actualmente, quase 3 anos passados, vai já na sua terceira edição e é campeã de audiências na televisão em Portugal.
A faixa etária junto da qual os “Morangos com Açúcar” fazem maior sucesso é a dos jovens dos 4 aos 24 anos, destacando-se os elementos do sexo feminino.
Na linha do êxito brasileiro “Malhação”, os “Morangos com Açúcar” retratam o dia a dia de um grupo de jovens portugueses. Caras bonitas, cenários coloridos, muita música e temas e histórias que tocam de perto os adolescentes e jovens portugueses serão alguns dos principais ingredientes desta receita de sucesso.
Além disso, “Morangos com Açúcar” funciona como uma escola de actores. Benedita Pereira, Joana Solnado e Diogo Amaral são apenas alguns exemplos de jovens actores lançados em anteriores séries de “Morangos com Açúcar” e que se começam a afirmar na representação em Portugal, participando actualmente em outros projectos televisivos.
O êxito não se restringe apenas a Portugal: “Morangos com Açúcar” também tem feito sucesso além fronteiras, destacando-se o Brasil, onde a série foi premiada em 2004 pela agência de notícias TV Press como a melhor novela estrangeira a ser exibida em terras de Vera Cruz.
Também em 2004, segundo o Relatório e Contas do grupo MediaCapital, a série foi exportada para a Roménia e para Israel. De facto, e de acordo com este Relatório, os “Morangos com Açúcar” são umas das principais fontes de receita daquele grupo.
O sucesso dos “Morangos com Açúcar” não se limita ao mercado televisivo: A edição das bandas sonoras das várias séries tem presença garantida nos tops, e a Farol Música - editora discográfica do grupo Media Capital – arrecadou só em 2004 uma dupla platina e uma platina com CDs da série.
Os D’zrt, banda pop saída da série para a vida real, mostram bem a dimensão do êxito de tudo o que se relaciona com esta série juvenil, já que conseguiram longas semanas de liderança na tabela nacional de vendas.
A presença quer dos D’zrt quer dos actores que protagonizam os “Morangos com Açúcar” na capa das revistas juvenis funciona como garantia de vendas, e o próprio mercado publicitário se agita em torna da “morangomania”, com cada vez mais marcas a apostar no sucesso da série para assediar os jovens consumidores. A publicidade dentro da própria série e os spots publicitários protagonizado pelos personagens são recursos a que cada vez mais marcas recorrem para se afirmar junto dos mais jovens. Nívea, Gola, Veet, Playstation e Chupa-Chups são apenas alguns exemplos.

Pequenos “Morangólicos”…
Todo este sucesso de “Morangos com Açúcar” coloca questões pertinentes, principalmente no que diz respeito ao impacto que tem sobre as crianças dos 4 aos 12 anos. Nesta faixa etária tem-se assistido a um número crescente de “aficionados” da série, que trocam os desenhos animados e as brincadeiras ao ar livre pelas últimas peripécias no “Colégio da Barra”. A comprová-lo está um estudo recente levado a cabo pelas empresas APEME (Área de Planeamento e Estudos de Mercado) e BrandKey e pelo investigador Georg Dutschke, segundo o qual 95% do tempo livre da “pequenada” é passado em frente ao pequeno ecrã, e 50% dos miúdos não troca as aventuras de Matilde, Tiago e companhia pelo encanto dos desenhos animados. De acordo com este estudo, quanto se pede aos mais novos elejam um herói, o jovem feiticeiro Harry Potter tem de contentar-se com o segundo lugar do pódio, já que em primeiro estão, indiscutivelmente, os D’zrt.
A “morangomania” assume contornos de grande destaque, um pouco por todo o país. A comprová-lo estão as filas quilométricas de jovens e crianças que se juntaram à porta da Casa do Artista, no final de Janeiro, para os castings para a série de Verão.
Nas escolas, os temas de conversa e as brincadeiras do recreio começam a ser cada vez mais dominados pelo universo dos “Morangos”.
Ana Elisa, de 9 anos, aluna da Escola Básica de Pedro Miguel, explica com naturalidade esta tendência: “Prefiro ver os ‘Morangos’, porque têm mais originalidade. Os desenhos animados são sempre a mesma coisa”. A colega, Carolina, de 8 anos, partilha da mesma opinião: “Os ‘Morangos’ são mais fixes.”. Vasco, um pouco mais velho, com 12 anos “e alguns meses” – como faz questão de salientar – classifica-se a ele próprio como um pré-adolescente, e é espectador assíduo da série. Já o seu irmão mais novo, Tomás, de 7 anos, também gosta de ver, mas quando se trata de escolher entre os “Morangos” e os desenhos animados, aí as coisas tornam-se mais difíceis…
No entanto, no que toca a escolher um ídolo, ninguém hesita em apontar personagens da série: Ana Elisa e Tomás deleitavam-se com as brincadeiras do “Dino Man”, enquanto Carolina prefere a irreverência de Manel. Já Vasco é fã incondicional de Matilde, que segundo ele “é bem bonita”.
Em casa de Goretti Pereira, ama de 3 meninas, os “Morangos com Açúcar” também são tema de conversa, apesar da mais velha ter apenas 6 anos. Ana Beatriz e Inês, de 6 e 5 anos, respectivamente, também têm uma palavra a dizer. Inês é fã incondicional e, apesar da pouca idade, já troca de boa vontade as aventuras do Noddy ou do pequeno Ruca pelos “Morangos”. Já Ana Beatriz, espectadora assídua do Disney Channel e do Canal Panda, não está disposta a tanto, mas também domina perfeitamente o enredo da série. Até a pequenita Raquel, com apenas 3 anos, sabe do que se fala quando se fala de “Morangos com Açúcar”, e acompanha as mais velhas nas cantorias de “Para mim tanto me faz”, tema de sucesso dos D’zrt.
Os “Morangos com Açúcar” já dominam uma parte do universo infantil, o que traz várias repercussões a vários níveis.
A Escola Básica de Pedro Miguel, onde as brincadeiras e as conversas dos alunos estão cada vez mais relacionadas com a série juvenil, é, neste sentido, paradigmática do que se passa um pouco por todo o país.

“Morangos com Açúcar” – um modelo comportamental
Recentemente grupos de alunos de várias escolas do país deram entrada em hospitais com sintomas de alergias, concluindo-se que se tratava de imitação do comportamento de várias personagens da série, afectadas por um vírus que se espalhou no “Colégio da Barra”. Em declarações à agência Lusa, Mário Almeida, do INEM/Norte, referiu que esta se terá tratado de uma situação “psicológica”, em que as crianças desenvolvem comportamentos miméticos em relação à série. Este fenómeno foi designado por alguns psicólogos por “psicose colectiva”.
A “febre” dos “Morangos”, tão aclamada nos últimos tempos, começa com esta situação a assumir contornos algo preocupantes e a dar que pensar. A forma como esta série juvenil influencia os comportamentos das crianças que a vêem com regularidade tem levantado alguma polémica, e feito correr muita tinta.
Marco Santos, psicólogo, considera que fenómenos como este “são passíveis de acontecer”, tendo em conta o impacto da série. “Os ‘Morangos com Açúcar’ tocam as crianças nas áreas em que elas se sentem mais fascinadas, principalmente a partir dos 10 anos” – refere - “Eles identificam os problemas dos adolescentes da série com problemas que eles próprios começam a ter.” No entanto, Marco desdramatiza a situação, considerando a utilização do termo “psicose” “algo forte”. Para o psicólogo, este tipo de fenómenos deve-se essencialmente à grande identificação das crianças com a série, aliada ao facto de se integrarem em grupos.
Nestas situações, o peso do grupo é, segundo Marco, um factor extremamente importante, que pode “potenciar muitas vezes determinados comportamentos por imitação”.
Para o psicólogo, este tipo de séries funciona como um modelo comportamental para as crianças, já que o seu grande impacto junto delas é exactamente o facto de potenciarem um comportamento associado às imagens da série: “O impacto que uma série como os ‘Morangos com Açúcar’ tem na criança é principalmente o facto de criar mitos, criar empatias com determinada personagem, porque vivem o problema dessa personagem.”
Junto das crianças, a imitação do que vêem na série é encarada como normal e frequente. Ana Elisa conta como ela e as amigas são fãs do hip hop desde que viram as personagens da série praticar este tipo de dança: “Até dançámos uma coreografia com uma música dos D’zrt no Dia da Criança”. Carolina fala com orgulho de como lhe fica bem o penteado da personagem Mimi, e das suas luvas preferidas, sem dedos, como as da Becas. “Também gosto de fazer grafittis”, refere. Também Vasco não resiste à técnica do grafitti: “Grafittei o meu nome no pátio de casa. Mas os meus pais ainda não viram”, diz com ar malandro. No entanto Vasco não se fica por aqui: Rosa Andrade, mãe de Vasco e Tomás, fala das coisas que o filho mais velho gosta de imitar em relação aos “Morangos”: “Ele faz desenhos no cabelo, como o Kiko, e gosta de vestir como eles”.
De facto, desde a forma de vestir até aos passatempos, passando pelo tipo de linguagem, as crianças não resistem a imitar os seus personagens favoritos da série.
Cristina Gomes, directora da Escola Básica de Pedro Miguel, reconhece que, desde que o fenómeno “Morangos” começou, as brincadeiras relacionadas com a série têm dominado os recreios: “Fazem muito as danças de hip hop, inclusive trazem as músicas dos ‘Morangos’ para dançar, e tentam copiar as coreografias. Agora o que está na moda são os cromos.”.

Sobremesa envenenada?...
A influência dos “Morangos com Açúcar” enquanto modelo comportamental pode trazer alguns riscos, principalmente no que diz respeito às crianças mais pequenas.
Marco Santos alerta para o facto de que uma criança de 4 anos não tem o mesmo juízo crítico que tem, por exemplo, uma de 10. Para os mais pequenos “a interpretação das imagens e dos contextos é mais difícil”. Segundo Marco, o grande problema é o facto de muitas vezes os significados não serem trabalhados.
O psicólogo salienta também a grande carga materialista associada à série: “Não se vê um adolescente mal vestido, não se vê um adolescente normalmente vestido; vê-se, sim, um adolescente pintado, retocado, com gel, associado ao mundo da moda… O que os ‘Morangos com Açúcar’ provocam muitas vezes, independentemente das dinâmicas entre as personagens, é o fascínio da roupa, do materialismo… E isso não é nada saudável.”. Para Marco este é um dos grandes problemas da série, mas que não se restringe a ela. Na sua opinião actualmente em Portugal é frequente “treinar as crianças no prazer do materialismo”. “Para as crianças aquilo que é fantástico está fora do alcance delas, mas é algo palpável, que podem trocar por dinheiro e conseguir”, salienta.
Marco considera preocupante o facto de várias marcas aliciarem as crianças através da inclusão de publicidade na série: “Isto é uma das coisas que tem de ser trabalhada. Não se trata de simplesmente ‘colocar um travão’ porque esses estímulos existem e sempre existirão. Isto tem já a ver com o que vai ser importante mais tarde, que é a importância de desenvolver o ‘não’ junto do adolescente”.
Além do materialismo, outro factor que está algo inerente aos “Morangos com Açúcar” é a importância da beleza e da elegância. Grande parte dos actores que já passaram e continuam a passar pela série são modelos. A agência de modelos L’Agence já forneceu um grande lote de manequins como matéria-prima para os “Morangos”. Cláudia Vieira (Ana Luísa), Dânia Neto (Maria) e Rita Pereira (Soraia), são apenas alguns exemplos.
O facto da maior parte dos personagens da série serem pessoas bonitas e elegantes pode acabar por funcionar como uma aspiração para os fãs. Nesta medida, a série acaba por de algum modo promover o culto do corpo e a ostentação da beleza, o que traz alguma negatividade.
Um outro acontecimento que veio instigar alguma polémica a respeito da forma como a série “Morangos com Açúcar” é apresentada ao público infantil foi a morte do actor Francisco Adam (que interpretava o popular “Dino”), num acidente de viação, ocorrido a 16 de Abril de 2006. O facto da morte do jovem actor ter tido grande cobertura mediática, mas ao mesmo tempo o seu personagem continuar a aparecer na série, fez alguma confusão ao público mais novo.
Rosa Andrade refere que teve de ter algum cuidado ao explicar a situação ao filho de 7 anos: “Explicámos-lhe que o Dino tinha morrido na vida real e que tinham de acabar com o personagem dele”. Quanto à forma como os argumentistas delinearam o final da personagem, também não ficou claro para o Tomás, pelo que Rosa teve de explicar o que se passou: “Dissemos-lhe que era a despedida dele, e que alguém dentro do balão fez de conta que era ele a atirou o boné – que era um símbolo dele”.
Para Ana Beatriz e Inês, também foi difícil perceber esta situação, valendo-lhes a ajuda da professora. “Ele continuou a aparecer na novela porque as cenas já estavam gravadas” – explica Ana – “Eu sei porque a nossa professora explicou”.
Cristina Gomes salienta a repercussão de que se deu conta na escola ao nível da morte do actor: “Quando a escola começou, depois das férias da Páscoa, os miúdos queriam vestir muito o cor-de-laranja, porque era a cor preferida do actor, e falavam muito no que aconteceu. A algumas crianças fez muita confusão o facto dele ter morrido e ter continuado a aparecer na série, mas nós conversámos sobre isso na sala de aula; explicámos o porquê dessa situação, e eles entenderam”.
Carolina, apesar de ter entendido o porquê do actor continuar a aparecer na série, teve alguma dificuldade em lidar com a situação, a nível emocional: “Fiquei mesmo muito triste. Chorei muito”, conta, referindo-se à morte de Francisco Adam.
O psicólogo Marco Santos refere que este tipo de reacções é normal, tendo em conta a carga emocional que liga a criança à série: “O facto deles saberem que se trata de actores e que há um guião é uma separação em relação à realidade” – explica – “mas a carga emocional que é posta ali é tanta que eles se abstraem desse facto”.

O Papel dos Pais e Educadores
Tendo em conta este tipo de influência nas crianças, surgem dúvidas acerca da necessidade ou não de existir um controlo do visionamento da série, no que diz respeito ao público infantil.
Os “Morangos com Açúcar” têm recebido duras críticas devido à forma coma abordam certas temáticas. Recentemente, numa jornada católica intitulada “A família no projecto criador de Deus”, este tema foi debatido, concluindo-se que a série pode incitar ao malefício do ritmo social, e que ilustra bem realidades preocupantes, como o materialismo e os pais ausentes.
Em declarações publicadas no Jornal de Notícias (2 de Maio de 2006), Inês Gomes, coordenadora dos guionistas da série, alerta para o facto do objectivo primordial da série ser entreter, e não educar. Além disso, salienta que todas as atitudes censuráveis tomadas pelos personagens na série são punidas. Neste sentido, a componente formativa não é descurada.
A guionista lembrou ainda que os “Morangos com Açúcar” estão sinalizados pela TVI com um “10AP”, que recomenda que as crianças até aos 10 anos apenas devem ver a série acompanhadas pelos pais e encarregados.
De facto, e apesar desta recomendação, a verdade é que muitas das vezes isso não acontece.
Inês, apesar de ter apenas 5 anos, conta que a maior parte das vezes vê os “Morangos com Açúcar” sozinha. Já Tomás, de 7, raramente vê o programa sem ser acompanhado por um dos pais ou pelo irmão mais velho, até porque, por vezes, como ele próprio refere, há coisas que não entende bem.
O psicólogo Marco Santos alerta para a importância de um acompanhamento de perto por parte dos pais, que, para ele, têm um papel primordial no supervisionamento da forma como as crianças absorvem a informação


transmitida pela série. Para Marco, hoje em dia há cada vez menos controlo dos pais em relação ao que os filhos vêem na televisão: “Os pais não sabem a que horas as crianças vêem televisão; não sabem o que vêem e o que não vêem”. “É muito importante que as crianças nestas idades [4 a 12 anos] vejam os ‘Morangos com Açúcar’ acompanhadas por alguém que faça um trabalho sobre as significações.” – refere – “Cada criança retira do episódio que vê significados diferentes daqueles que estão inerentes ao guião em si, e é nisso que convém que os pais tenham mais controlo”.
Também Rosa Andrade costuma acompanhar o seu filho mais novo no visionamento da série. No entanto, não atribui grande importância a esse controlo, pois entende que existe um cuidado particular na abordagem dos temas. Rosa entende que o facto dos filhos verem a série pode, na medida certa, ser até bastante saudável: “Acho que nos ‘Morangos’ podemos rever os problemas dos miúdos de agora”. Vasco, o filho mais velho, alerta precisamente para este facto: “Os problemas deles são problemas que os rapazes e raparigas da minha idade também têm, ás vezes.”
Natália Nunes, mãe de Sofia, de 8 anos, aborda os “Morangos com Açúcar” dum ponto de vista mais desconfiado: “Acho que a série é muito orientada para adolescentes e não tem muito em conta que as crianças também vêem.”
Marco, contrapondo a sua profissão de psicólogo com o seu papel de pai de uma menina de 11 anos, refere como coordena o visionamento da série por parte da filha: “Ela vê a série, mas de uma forma irregular, porque lhe impus a regra de ver os ‘Morangos’ acompanhada. Houve particularmente uma altura em que a série falava em termos de sexualidade em conceitos que provocavam dúvidas junto das crianças, e que não eram trabalhados. Assim era mais uma informação que, entre amigas, era ‘empolada’. Neste sentido, os ‘Morangos com Açúcar’ podem não ser uma forma de educar mas de promover determinados ‘ruídos’ na educação das crianças”.
Apesar do papel dos pais ser, neste sentido, primordial, existem outras entidades a quem também pode caber uma fatia da preocupação em relação aos conteúdos absorvidos pelas crianças no visionamento desta série.
O papel da Escola, apesar de não ser fulcral, também pode ser importante. Para Marco Santos, a Escola, apesar de não poder ter qualquer tipo de controlo sobre aquilo que as crianças vêem, pode intervir de outra forma: “As Escolas têm as componentes de formação cívica, onde eventualmente poderiam abordar estas questões relacionadas com o impacto da televisão e deste tipo de séries em concreto no dia a dia das crianças”.
Também Cristina Gomes, no seu papel de educadora, reconhece que a Escola poderá ajudar na compreensão de algumas temáticas abordadas nos “Morangos com Açúcar”, trabalhando-as dentro da sala de aulas com os alunos. No entanto salienta que essa função é essencialmente dos pais e encarregados de educação: “Eu penso que é muito importante os pais acompanharem os filhos enquanto eles vêem a série, principalmente porque eles podem não perceber muito bem porque é que algo aconteceu assim, ou porque é que estão a falar de determinada maneira, ou a tomar determinada atitude, e se houver um adulto por perto que os ajude e explique porque é que estão a ter um determinado comportamento, isso é muito importante”.
Marco Santos refere ainda a importância da sensibilidade dos argumentistas da série em relação a estas questões. Para o psicólogo, os autores do guião “deveriam ter um papel mais educativo”, tendo em conta o facto de que crianças bastante pequenas também vêem a série com assiduidade. Nesta perspectiva Marco salienta que, em Portugal, esta função educativa das séries juvenis é muitas vezes secundarizada “em nome da competitividade e das audiências”.
Inês Gomes, em entrevista ao jornal “Correio da Manhã”, salienta precisamente a preocupação da equipa de argumentistas da Casa da Criação em sensibilizar os jovens para problemas como a toxicodependência. A argumentista refere que “o público jovem tem tendência para rejeitar campanhas de moralização”, o que faz com que os responsáveis da série sintam necessidade de abordar de outra forma as temáticas para as quais querem chamar a atenção: “só mostrando os comportamentos de risco podemos fazer uma prevenção eficaz”, refere. Nesta perspectiva, “Morangos com Açúcar” reveste-se de uma componente educacional que não deve passar despercebida. Inês Gomes salienta a este respeito que “cada vez mais há pais e educadores que sugerem o aproveitamento dos ‘Morangos com Açúcar’ numa vertente pedagógica”.

Como supervisionar?
Para Marco Santos a responsabilidade parental deve ser aplicada com cuidado e perspicácia. Segundo o psicólogo, a simples proibição de ver a série é uma medida errada, dado que “massivamente há muitas crianças que vêem a série e é lógico que a criança que não vê pode até ser excluída por isso, uma vez que os ‘Morangos’ dominam os temas de conversa”.
Também Natália Nunes tem consciência desta realidade, referindo que, se por acaso a sua filha de 8 anos não pode ver um episódio da série, no dia seguinte há sempre algum colega que lhe conta pormenorizadamente o que aconteceu.
O controlo parental deve, então, tanto para Marco como para Natália, passar apenas pelo visionamento da série com os filhos, procurando explicar-lhes certas temáticas, mas nunca enveredando pelo caminho da proibição.
Os “Morangos com Açúcar” podem, no entanto, passar mensagens muito positivas, e constituir-se como um auxiliar importante para os pais na forma de educação dos seus filhos, como, de resto, entende Rosa Andrade. Para esta mãe, o facto da série abordar alguns problemas comuns que também afectam as crianças e adolescentes pode ser uma mais valia.
A abordagem de temas como a toxicodependência, a diabetes, as doenças sexualmente transmitíveis, a delinquência juvenil, o bullying, entre outros, pode alertar as crianças e jovens para estas realidades, e, neste sentido, os “Morangos com Açúcar” revestem-se de uma componente mais formativa.
O facto da série apelar ao convívio com os amigos e à prática de desporto pode também ser visto como um factor positivo. Desde o início da série já foram divulgados vários tipos de desportos, alguns até então algo desconhecidos e que depois de fazerem parte da realidade de “Morangos com Açúcar” viram o seu número de simpatizantes crescer a olhos vistos, como é o caso do “downhill”.
Cláudia Teles Vieira, professora de Matemática, considera importante que os próprios professores tentem acompanhar os acontecimentos em “Morangos com Açúcar”, de forma a poderem eles próprios interpretá-los e explicá-los aos alunos.
Cláudia tem consciência do grande impacto da série no público infantil e juvenil, e por isso mesmo tenta usar esse impacto a seu favor, na dura tarefa de fazer com que os alunos se interessem pela Matemática. Uma das como o faz é enunciando os problemas matemáticos com personagens da série: “Começo os problemas com ‘Zé Milho foi comprar…’, ou algo parecido. Desta forma os alunos interessam-se mais”, refere.

Geração “Morangos”
Apesar de todas as questões que hoje se levantam sobre o impacto dos “Morangos com Açúcar” nas crianças, a realidade é que esta série juvenil é cada vez mais uma referência indiscutível do panorama televisivo em Portugal, e tem uma presença cada vez mais vincada na vida quotidiana do público infanto-juvenil português.
Acontecimentos como a imitação de sintomas de personagens da série por um grande número de crianças, ou o grande impacto que a morte de um dos protagonistas causou junto dos mais novos vieram chamar a atenção para uma realidade que já se vinha a consolidar há algum tempo: é a chamada “morangomania”, que ganha cada vez mais adeptos entre as crianças portuguesas.
A verdade é que a grande maioria das crianças portuguesas acompanha incondicionalmente os desenvolvimentos da série, imitando na sua forma de vestir e de falar as personagens, com as quais se identificam e com as quais criam ódios e empatias, como se de amigos verdadeiros se tratassem.
Sendo assim, estas crianças e jovens importam da ficção um conjunto de comportamentos, atitudes, linguagens e estilos que, a pouco e pouco, se tornam elementos constituintes da identidade desta geração.

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