Em Agosto de 1893 era instalado na baía da Horta o primeiro cabo telegráfico submarino, da inglesa Telegraph Construction and Maintenance Company. Esta era, então, a forma mais moderna de comunicar com o mundo, e este acontecimento foi o ponto de partida para um período dourado de cerca de 70 anos, em que a Horta foi o maior centro de comunicações de cabos submarinos do planeta. Na cidade instalaram-se companhias inglesas, americanas e alemãs, que vieram empurrar a economia da ilha, ao mesmo tempo que influenciavam a sua sociedade de tal maneira que ainda hoje se nota essa influência. Agora, 60 anos após a extinção das companhias no Faial, um grupo de faialenses, antigos funcionários das mesmas, está a proceder à identificação do espólio que ficou dessa presença na ilha. O objectivo é perceber exactamente a dimensão e a relevância desse espólio, de modo a, eventualmente, poder vir a nascer na Horta um Museu dos Cabos Submarinos do Faial, que assegure para a posteridade a memória deste período de referência da história da ilha e da Região.
Carlos Silveira é um dos ex-funcionários envolvidos neste processo. Dos cinco anos em que trabalhou na companhia americana, guarda as melhores lembranças: “fiquei com gratas recordações, e tenho memórias que muito me satisfazem em relação aos anos que lá trabalhei”, frisa, destacando o grande impacto sócio-económico da presença dos cabos submarinos no Faial. Carlos Silveira lembra que muitos dos empregados estrangeiros casaram com mulheres faialenses, sendo que “ainda há muitos descendentes desses casais na Horta”. “Economicamente, este grupo de estrangeiros introduziu novos hábitos na ilha, e trouxe novas exigências, nomeadamente no que diz respeito à alimentação, impondo que as mercearias se ajustassem a esta realidade”. Também os hábitos de vida dos estrangeiros influenciaram a sociedade faialense, com destaque por exemplo para a influência no aparecimento do futebol, que se popularizou no Faial, antes das outras ilhas do arquipélago. “A própria atitude dos faialenses difere um bocado dos terceirenses e dos micaelenses, e penso que isso será influência desse contacto próximo com outras culturas”, acrescenta.
Para Carlos Silveira, não existir algo que recorde este período da história do Faial seria “uma falta grave”, por isso defende que é necessário criar condições para a instalação de um Museu dos Cabos Submarinos na ilha.
Também José Duarte da Silveira, actualmente cônsul português em Porto Rico, para onde os cabos submarinos o levaram há quase meio século, vê como óbvia a importância desse Museu para o Faial. O antigo técnico lembra o impacto que a presença das companhias, situadas ao redor da rua Cônsul Dabney, teve o quotidiano dos faialenses, com um número muito considerável de jovens a ingressar os seus quadros, tal como aconteceu com ele próprio, quando tinha apenas 16 anos. “Estamos a falar de parte da história dos Açores, porque a Horta foi durante 70 anos o maior centro de comunicações de cabos submarinos do mundo. As várias companhias tinham cabos a terminar em vários pontos, mas todos esses cabos passavam por aqui. Tivemos uma concentração de 21 cabos, penso eu”, recorda.
Espólio do Museu da Horta alvo de identificação
Após o encerramento das companhias no Faial, em 1969, o Museu da Horta adquiriu algum do seu espólio, que se encontra actualmente guardado.
Carlos Silveira e José Duarte da Silveira, em conversa com antigos colegas, chegaram à conclusão de que é urgente identificar esse espólio, e esse trabalho só pode ser feito pelos ex-funcionários das companhias, muitos dos quais já faleceram.
Nesse sentido, e com o apoio da Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta, o grupo de ex-funcionários está desde a passada semana a trabalhar no Museu da Horta, para identificar e inventariar as peças existentes.
José Duarte da Silveira mostra-se bastante satisfeito com a receptividade da equipa do Museu que tem trabalhado com os ex-funcionários, realçando a preciosa colaboração de Luís Menezes, director do Museu, Cláudia Castro, directora técnica e Fernando Pinto Jorge, restaurador. O antigo funcionário dos cabos submarinos ressalvou a importância de se fazer este trabalho nesta altura, para que aqueles que, como ele, estão “espalhados na diáspora” possam também participar. No resto do ano, este trabalho caberá aos ex-funcionários que vivem no Faial, sendo que José Duarte Silveira conta voltar no próximo Verão para ajudar a finalizar a tarefa.
Feito este trabalho de identificação das peças, é meio caminho andado para pôr de pé um Museu dos Cabos Submarinos do Faial No entanto, os dois ex-funcionários gostariam que este não se limitasse a mostrar os aparelhos utilizados então. “A nossa ambição vai para além disso; queremos um museu o mais vivo possível”, explica Carlos Silveira. José Duarte da Silveira pretende que possa ser mostrada a evolução das comunicações, desde os cabos submarinos até aos dias de hoje, caracterizados pelo imediatismo do telemóvel.
Quanto à eventual casa deste Museu, os ex-funcionários consideram que deveria ser num dos locais onde operavam as companhias. Um espaço no edifício da antiga Escola Básica Integrada, onde actualmente se encontra o Conservatório da Horta, “seria o melhor local”, segundo José Duarte da Silveira. “No entanto o mais importante agora é documentar tudo. Se não há espólio identificado não há museu”, acrescenta.
Sensibilizar a população
Carlos Silveira e José Duarte da Silveira acreditam que muitos dos familiares dos ex-funcionários já falecidos podem ter importantes contributos para este espólio que agora está a ser identificado. Com o objectivo de sensibilizar essas pessoas para a importância deste projecto, bem como de dar a conhecer à população faialense a importância que os tempos dos cabos submarinos tiveram para a ilha do Faial, a Associação dos Antigos Alunos do Liceu da Horta promove na próxima segunda-feira, dia 10, pelas 21h00, na sociedade Amor da Pátria, um Colóquio sobre esta temática.
Neste evento, Carlos Silveira irá dar aos presentes uma visão sobre os tempos e memórias dos cabos submarinos, e José Duarte da Silveira apresentará as ideias e percursos para o Museu dos Cabos Submarinos do Faial.
FOTOS: SUSANA GARCIA
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