quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Atelier de Trabalhos Manuais da APADIF

Remédio para a Alma

A Associação de Pais e Amigos dos Deficientes da Ilha do Faial (APADIF) comemora este ano o seu 15.º aniversário. Hoje, a associação engloba uma série de valências, fazendo um trabalho de importância incontornável na ilha, não apenas no apoio à pessoa portadora de deficiência, mas alargando a sua área de influência a vários outros campos sociais onde a sua acção tem dado frutos. Fomos visitar uma das suas valências, o Atelier de Trabalhos Manuais, e estivémos à conversa com o presidente da APADIF, José Fialho.

4 São 19h30 da noite de quarta-feira, e o frio do Outono teima em lembrar que o Verão já lá vai, e o Inverno não tarda. As luzes do Atelier de Trabalhos Manuais da APADIF, em frente ao Polivalente de Pedro Miguel, acendem-se, denunciando a presença dos monitores, que chegam mais cedo para preparar os materiais a serem utilizados pelos utentes. Estes começam a chegar um pouco mais tarde, aos poucos. A sala enche-se de pares de olhos brilhantes, de gargalhadas de entusiasmo, de histórias para contar e ideias para partilhar. Cheira a cola, a tinta, a madeira, e a grande mesa, cujo comprimento abrange a sala inteira, enche-se de materiais. O Natal está à porta, e é tempo de preparar os projectos a realizar, para serem vendidos na Festa de Nossa Senhora da Conceição, no dia 8 de Dezembro. O som da tagarelice mistura-se com o barulho dos martelos a bater na madeira, dos pincéis, das agulhas de crochet. O par de olhos mais brilhantes na sala pertence a Mariana. Com a língua a espreitar no canto da boca, a sua atenção está toda no azulejo onde está a aplicar um anjinho através da técnica do guardanapo. Os seus olhos só se desviam do pincel para soltar gargalhadas ocasionais, que contagiam os que a rodeiam. Mariana tem 20 anos, é portadora de Trissomia 21, e é uma das 20 utentes do Atelier de Trabalhos Manuais.
“Gosto muito de vir para aqui, fazer técnica de guardanapo, pintar… O que eu gosto mais de fazer é pintar”, diz Mariana, não esquecendo o convívio com os amigos, que faz da quarta-feira o dia mais ansiado da semana. “Fazemos festas, e também vendemos as coisas que fazemos aqui, e eu também ajudo”, diz, com orgulho.
Noémia Pinto é a mãe de Mariana, e também está activamente envolvida no trabalho da APADIF, tendo ingressado recentemente a sua direcção. Falando do Atelier de Trabalhos Manuais, adianta que é um sítio “muito importante, não só para a Mariana mas para todos os que aqui vêm à quarta-feira à noite. De uma semana para a outra ficam com saudades, porque aqui têm um espaço de convívio, e isso é muito bom”. “Além disso aprendem certas técnicas e fazem os seus trabalhos, e sentem-se satisfeitos quando vêem o fruto daquilo que aprenderam”, acrescenta.
Neste sentido, Noémia frisa a importância que a acção da APADIF tem para muitas pessoas, não apenas nesta Atelier específico, mas em todas as valências, importância que tem crescido ao longo dos últimos anos. Para Noémia, o grande “culpado” é José Fialho, presidente da direcção de há sete anos a esta parte. Noémia considera, no entanto, que os faialenses ainda não se apercebem do real trabalho que a APADIF faz na sociedade: “As pessoas já vão dando valor à APADIF, mas ainda não têm muito conhecimento. Embora haja divulgação, resultado de um esforço grande do presidente, ainda pairam algumas dúvidas sobre a APADIF. Era importante que as pessoas se interessassem mais em saber, até porque esta associação faz bem a muita gente”, refere.
No Atelier de Trabalhos Manuais, a tarefa de pôr todos a trabalhar está a cargo dos monitores António Pereira e Conceição Quaresma. Carpinteiro de profissão, António encarrega-se de supervisionar as marteladas, certificando-se de que estas são mais certeiras nos pregos do que nos dedos dos artesãos. Conceição Quaresma dedica-se há muitos anos aos trabalhos manuais, e perde a conta à variedade de técnicas que conhece.
Reconhece a dificuldade de ensinar pessoas portadoras de deficiência, principalmente invisuais, mas frisa que a recompensa no final é muito maior: “vale a pena, porque eles surpreendem-nos, e surpreendem-se a eles próprios, com aquilo que são capazes de fazer”.

Remédio para a alma
4 Marta Faria é a jovem psicóloga actualmente ao serviço da APADIF, e presença assídua nas noites de quarta-feira no Atelier de Trabalhos Manuais. De acordo com a sua formação profissional, e também com a experiência que já adquiriu na associação, Marta reconhece neste tipo de valência uma série de mais-valias para os seus utentes: “o Atelier funciona como um centro de auto-ajuda, isto é, o nosso objectivo não é apenas promover a destreza manual, mas essencialmente promover o apoio psicológico e emocional”, refere. O sentimento de solidariedade que se instala dentro das paredes do Atelier é um verdadeiro “remédio” para a alma, como constata Marta: “quando um utente traz um problema todos os outros tentam resolver. O atelier funciona como uma família e penso que era bastante vantajoso que as pessoas viessem conhecer esta realidade. Estamos aqui todos com o mesmo objectivo, e partilhamos desejos, expectativas e receios”.
O Atelier funciona também como meio de espicaçar as capacidades dos portadores de deficiência que o frequentam, e os resultados são surpreendentes: “aqui eu é que me sinto com limitações; só sou capaz de recortar”, refere Marta, em tom de brincadeira, acrescentando que “estes utentes trabalham em madeira, em papel, com lãs, e conseguem ultrapassar as suas limitações”. Segundo a psicóloga, no Atelier os portadores de deficiência “conseguem sentir-se parte integrante da comunidade, e não se sentem discriminados”.
O facto dos artigos confeccionados pelos utentes do Atelier serem depois comercializados, num processo em que eles também participam, tem, na opinião de Marta, um impacto muito positivo, principalmente no aumento da sua auto-estima: “quando se deparam com um problema, estas pessoas vão abaixo, deprimem e isolam-se… São regra geral indivíduos com um auto-conceito pobre. O que noto é que os utentes do Atelier têm um auto-conceito já bastante mais positivo, e trabalham com uma felicidade enorme. Quando vêem que as pessoas gostam dos seus trabalhos ficam contentes, sentem que aquilo que fazem é valorizado, o que não acontecia até eles virem para cá”.
Instada a pronunciar-se sobre a sua realização profissional neste tipo de funções, Marta confidencia que, inicialmente, não era este o tipo de trabalho que pretendia fazer: “quando terminei a licenciatura dizia que não queria trabalhar com pessoas portadoras de deficiência, ou na área da toxicodependência. Agora, se pudesse, trabalhava só nisto”, refere. “Aqui não somos só psicólogos, temos que ter uma abertura: sou a psicóloga, mas também a amiga, e a colega na realização das actividades”, explica, acrescentando que “se aceitarmos as limitações deles, assim como eles aceitam algumas nossas, penso que isto funciona bem, e passa a ser fácil, muito cativante, e muito gratificante. Para isso basta um sorriso deles, ou uma palavra carinhosa”.


Um percurso de sucesso
4 Passando um olhar pelo número de utentes que a APADIF tem em todas as suas valências, não é possível apontar valores exactos, mas a soma ultrapassará certamente a centena.
Na direcção da APADIF desde 2001, José Fialho tem sido um dos pioneiros neste “desbravar” de caminho que se tem verificado na acção daquela Associação no Faial.
Fazendo um balanço bastante positivo dos últimos anos da APADIF, José Fialho lembra que, em 2001, a Associação não tinha sequer espaço para reunir. “O primeiro espaço que conseguimos foi o hall de entrada do dispensário, que é hoje a nossa sede”, recorda. A partir daí, e graças a grandes doses de esforço e dedicação, as valências foram surgindo, e a APADIF foi crescendo. “Abrimos o espaço de reabilitação na própria sede, com terapeuta ocupacional, terapeuta da fala e psicóloga, o trabalho começou a dar frutos, e as pessoas começaram a acreditar em nós. Depois abrimos o ATL para 20 crianças, e, como era muito procurado, passámos para 40”, refere José Fialho. O projecto Veredas é outra das conquistas da APADIF. Como explicou o presidente da Associação, destina-se à “inclusão de jovens em abandono escolar, que havia necessidade de agarrar, já que se podiam tornar um prejuízo para a sociedade e não o benefício”. “Temos de os agarrar, e garantir que irão tirar a escolaridade obrigatória”, alerta José Fialho. Outro projecto da APADIF que tem dado frutos positivos é o Trilhos Saudáveis, no Bairro das Pedreiras, para jovens daquele local. “Aí a nossa missão é criar actividades lúdicas para que os jovens estejam ocupados e se mantenham livres de dependências, não consumindo drogas nem álcool”, explica. Um dos projectos mais recentes da APADIF é o Porto Pim Digital, um espaço dedicado a promover o acesso às novas tecnologias.
Quanto a este Atelier de Trabalhos Manuais, não é um projecto recente, no entanto teve de sofrer um interregno, devido a falta de financiamento. “Agora partimos para este projecto com dinheiro nosso, e as vendas que se vão fazendo é que permitem comprar material para se trabalhar, porque os técnicos que aqui estão são voluntários”, refere José Fialho.
O vasto leque de actividades da APADIF continua a aumentar, e José Fialho aponta como uma das causas a crescente credibilidade da Associação: “as entidades governamentais começaram a acreditar no trabalho que fazemos. No início, tínhamos que pedir às entidades locais que nos ajudassem, agora muitas já tomam a iniciativa e solicitam-nos para sermos parceiros em algumas das actividades que organizam. Isso para nós é bom, pois vemos que a população reconhece que estamos no bom caminho”.
Hoje em dia a APADIF não ajuda apenas os portadores de deficiência, mas várias outras pessoas com dificuldades. O seu crescimento traduz-se também no aumento do número de funcionários, tendo-se tornado uma importante empregadora de mão-de-obra qualificada: “já temos 19 funcionários, a maioria deles licenciados. Assistentes sociais, educadoras de infância, psicóloga… Temos quadros que vão dando resposta as necessidades, e todos os dias nos aparecem novos utentes, novas pessoas a pedir-nos ajuda”, refere o presidente.
Para José Fialho, a sociedade está cada vez mais consciente da importância que a APADIF tem no seu seio, e aponta como prova o sucesso das comemorações do 15.º aniversário: “tivemos três dias de actividades, que eu tive receio que não fossem cumpridas, mas foram. Todos os utentes trabalharam em conjunto e pusemos de pé um evento interessante”, refere. No entanto, o crescimento do interesse da Associação também significa trabalhos redobrados para quem a coordena: “temos receio de a certa altura não termos capacidade de resposta; já não pode passar um dia sem que eu vá à Associação. Para quem anda nisto no voluntariado é complicado”, refere José Fialho, acrescentando que, apesar das dificuldades, no final o sentimento é sempre de recompensa.
O presidente da APADIF orgulha-se da imagem de credibilidade e responsabilidade que a associação tem conseguido promover: “posso dizer-lhe com algum orgulho que tenho um bom relacionamento com todas as instâncias da ilha e até com o Governo Regional, não por uma questão de cores partidárias mas porque quando fazemos um projecto, fazemo-lo credível, e temos cumprido tudo o que nos propomos fazer”. “Ás vezes as pessoas procuram-nos com problemas que devem ser tratados noutras instâncias, mas têm confiança em nós e querem que lhe indicamos o caminho. Isso para mim é muito importante e orgulho-me de ter técnicos que sejam capazes de dar resposta a todas as necessidades”, refere. De facto, para José Fialho, um dos segredos desta receita de sucesso é a equipa de trabalho: “temos vindo a imprimir ao longo deste tempo nos nossos funcionários que sejam polivalentes e trabalhem para o utente”, refere.
José Fialho sente-se satisfeito com a crescente sensibilização da comunidade faialense para os problemas que os portadores de deficiência enfrentam no dia-a-dia, no entanto refere que, neste aspecto, ainda há um longo caminho a percorrer, Nesse sentido, as iniciativas levadas a cabo pela APADIF no aniversário foram passos importantes: “falámos e mostrámos os problemas que estas pessoas têm na ilha, e penso que a comunidade nunca se tinha apercebido de que fossem tanto”, refere José Fialho.
“Mostrámos os obstáculos que há na cidade para pessoas invisuais, ou utilizadores de cadeiras de rodas: passeios não rebaixados, cabines telefónicas mal instaladas, multibancos muito altos, papeleiras que são obstáculos para invisuais… As próprias pessoas deixam por vezes os caixotes do lixo na rua de qualquer maneira, os comerciantes, as caixas de cartão…”, revela o presidente da APADIF.
José Fialho ficou muito satisfeito com as conclusões a que o vice-presidente da Câmara Municipal da Horta, Orlando Rosa, chegou no colóquio promovido pela APADIF sobre estas questões: “depois de ouvir o que dissemos, concluiu que muitas coisas devem ser feitas já, até porque não implicam grandes gastos, e resolvem-se grandes problemas”, revelou José Fialho, com optimismo. A tão aguardada obra do Saneamento Básico deve ser também, para o presidente da APADIF, uma oportunidade para melhorar este tipo de situações.

Planos para o futuro
4 Falando de futuro, a Associação tem dois projectos ambiciosos, que anseia por levar a bom porto: “um deles, com o qual queremos arrancar em Janeiro, é a ampliação da escola da Volta, para criação de uma creche, que queremos ter a funcionar no próximo ano lectivo, com capacidade para 33 crianças”, refere José Fialho, acrescentando que o projecto, apoiado pela Direcção Regional da Solidariedade Social, já foi aprovado.
O outro grande projecto da APADIF é na área da Terceira Idade: “este ano vamos ficar responsáveis pela parte de Educação Física de todos os centros de convívio da ilha, e fizemos uma proposta para ter também as actividades lúdicas sob nossa tutela”, informa José Fialho. Estes dois projectos são os grandes desafios da APADIF, no entanto, existem outros factores que a Associação quer ver melhorados.
Quanto ao Atelier de Trabalhos Manuais, o desafio é conseguir fazer com que funcione não apenas um dia por semana, e que tenha outra visibilidade. “Queremos que esteja aberto no fim-de-semana para as pessoas verem os trabalhos feitos pelos utentes, e no Verão também, para que os turistas possam visitar, porque quando as pessoas vêem quem trabalha aqui e quem faz estes objectos têm logo outro carinho. Para nós, dar a conhecer o que fazemos é muito importante”, refere.
Por agora, no Atelier de Trabalhos Manuais trabalha-se com afinco, na produção de peças que serão expostas e vendidas na Festa de Nossa Senhora da Conceição, no dia 8 de Dezembro.

2 comentários:

Marizé disse...

Este texto, mais do que uma reportagem, está lindissimo.
Ao ler este texto senti um arrepio... Foi um apelo aos sentidos!

Anónimo disse...

Sublinho o post anterior e reconheco o relevante trabalho que a APADIF e nomeadamente o José ALberto Fialho estão, duma forma mais oumenos silenciosa, a afzer.
Deveria ter o apoio, mais não seja solidariedade, de todos nós.