quinta-feira, 21 de maio de 2009

Paulo Casaca
O que se passa no Médio Oriente tem repercussões na Europa”


Com as eleições ao Parlamento Europeu em Junho próximo, Paulo Casaca termina um ciclo de 10 anos a defender os interesses dos Açores em Bruxelas, com as cores do PSE.
Recentemente, um estudo do observatório independente P
arlorama, que analisou a actividade dos eurodeputados desde 2004, apontou o representante açoriano como o português mais produtivo em Bruxelas. Estivemos à conversa com o eurodeputado, que veio ao Faial apresentar a sua mais recente publicação. A realidade europeia, os bons e os maus momentos destes últimos anos, e os desafios que se avizinham foram alguns dos temas que surgiram na conversa.

Em Junho termina o seu segundo mandato consecutivo no Parlamento Europeu, onde esteve cerca de 10 anos. No fundo, é o fim de um ciclo… Que balanço faz desses anos?
Estou muito satisfeito com o facto de observadores independentes, que não a imprensa institucional em Bruxelas, terem concluído que eu sou um dos deputados mais activos a nível europeu. Esse estudo do Parlorama seguia sete indicadores de actividade: quem está presente no plenário, nas comissões parlamentares, nas delegações, quem faz relatórios, quem apresenta questões, e quem apresenta resoluções e declarações escritas.
Essa presença parece-me ter sido fundamental, porque nós só somos cotados nas Instituições Europeias quando somos activos em todas as dimensões da Europa.
Esta ideia de que o deputado açoriano só pode ir lá falar da pesca e das quotas leiteiras é absolutamente errada: é evidente que tem de falar nisso, pois são das coisas mais importantes, e onde mais pesa a influência de Bruxelas, e é essencial tratar desses problemas, mas para que eles possam ser ouvidos, é preciso que estejamos em todo o espectro do interesse europeu. Só assim somos levados a sério. Para conseguir que o interesse específico nos Açores seja respeitado é preciso criar uma complexa rede de alianças; é preciso estar em vários lugares e poder actuar em vários níveis. Desse ponto de vista, consegui aquilo a que me propus.
Houve coisas que não consegui, e muito sinceramente não acho que tenha sido eu o responsável por isso. Olhe, nomeadamente no domínio da actividade açucareira em São Miguel: de facto, foi das coisas que mais trabalho me deram, e não perdi ainda a esperança, até porque acho que as instituições europeias, finalmente, começaram a perceber a importância daquela actividade, e não faz sentido deixar que a empresa encerre.
De vários outros pontos de vista, acho que demos bons passos, nomeadamente no mar. Claro que as coisas não correram tão bem como queríamos porque não foi só o Parlamento a decidir. Se fosse, as coisas estavam resolvidas, porque no Parlamento correu bastante bem.
Levei mais de mil visitantes às instituições europeias, trouxe dezenas de responsáveis europeus aos Açores, estive permanentemente em contacto com as populações de Santa Maria ao Corvo, sempre em deslocação, sempre com actividades, e estou muito satisfeito.

Os seus mandatos foram caracterizados precisamente por essa tentativa de aproximar os Açores a Bruxelas. De facto, verifica-se um distanciamento, não só dos açorianos, mas dos europeus em geral, em relação às instituições europeias. A que é que acha que se deve?
O distanciamento tem a ver com muitos factores, mas acho que o factor fundamental é o de não haver uma ligação entre aquilo que é o voto dos cidadãos europeus e a selecção dos governantes da Europa, e dos programas geridos pela Europa.
Fui recentemente recebido pelo senhor presidente da Comissão Europeia e tivemos uma grande conversa sobre este assunto, em que lhe expliquei que acho que é mau para a Europa que se decida a Comissão Europeia à porta fechada, entre chefes de Estado, e não nas eleições. Penso que isto não corresponde àquilo que é o cerne da democracia. A democracia pode até ser um sistema muito mau, mas é o menos mau que existe, como se costuma dizer. E estou plenamente convencido disso.
Nas eleições europeias, o que é que o cidadão gostaria de saber: quem vão ser os deputados, claro, isso é importante, mas mais importante ainda é saber quais são as propostas de Governo, ou seja, quais são as equipas que estão a surgir para dirigir a Europa, e com que programa: o que é que vão fazer, com que é que se comprometem, qual a sua visão, qual a sua leitura, por exemplo, em relação à arquitectura financeira internacional, em relação à política de coesão, à promoção do desenvolvimento, à política monetária, às questões ambientais… Tudo isto são coisas importantes que devíamos estar a discutir nestas eleições com base em programas europeus, porque senão cria-se um pouco aquela ideia de que as eleições servem apenas para decidir se é o senhor A ou o senhor B que vai para a instituição europeia, e isso não é o mais importante. O mais importante é, de facto, a política, o programa, os decisores.

E como é que se pode fazer chegar as políticas e os programas europeus ao conhecimento dos cidadãos comuns?
O problema é que, de facto, os partidos políticos europeus deveriam funcionar como partidos políticos: ter a capacidade de chegar aos chefes de Estado do seu partido e dizer: “Sim senhor, vocês são muito importantes, mas um partido é um partido. E portanto isto é assim: nós vamos concorrer e ter estes candidatos e este programa e se ganharmos as eleições é isto que vamos fazer. Vamos governar a Europa”.
Eu acho que existem duas concepções basilares de democracia, que se desenvolveram depois da Segunda Guerra: a concepção de Habermas, que preconiza a democracia como um exercício de bom senso, e é essa a concepção que tipifica a Europa, e a concepção de Popper, que é a democracia como a capacidade de demitir um mau governo. Acho que temos de fazer um pouco a passagem de Habermas para Popper, e se não o fizermos a Europa não pode ter credibilidade nem controlo democrático.
Sou um federalista europeu, mas por que motivo é que determinadas pessoas, que não são eleitas por ninguém, hão-de tomar decisões cruciais, algumas que implicam até com direitos, liberdades e garantias. Uma das questões que abordo no meu livro "A Outra Invasão do Iraque", por exemplo, é a forma como o Conselho tratou das listas de organizações terroristas. Foi uma situação infame, que viola todos os princípios do Estado de Direito. E, aliás, já depois da publicação do livro, o Conselho foi mesmo obrigado pelo Tribunal a reformular uma série de aspectos.
Recentemente visitei várias escolas de São Miguel, no âmbito das comemorações do dia da Europa, que se assinala a 9 de Maio, onde foram passados filmes explicativos daquilo que é o Parlamento Europeu e a Europa. Não acho que seja esse o método para aproximar as instituições dos cidadãos; o método é os candidatos debaterem, confrontarem programas. Uma eleição é uma escolha.

No fundo, é apresentar a Europa aos cidadãos europeus como um grande país, com propostas para a sua governação…
Sim, é um bocado isso, e de facto a federação europeia significa isso mesmo. Mas a democracia europeia tem de ter sempre em conta que a Europa não é um estado. Como lhe disse, temos de ser um pouco mais Popper, mas sem deixar de ser Habermas. Não se podem impor determinadas coisas que são contrárias aos interesses profundos de uma parte da Europa. As questões do Mar, por exemplo, não têm significado para grande parte dos europeus. Mas para as pequenas comunidades piscatórias que estão aqui no meio do Atlântico são fundamentais. E a democracia é o respeito pela regra da maioria, mas também o respeito pelas minorias. É preciso respeitar o sentir de uma população que pode ser mínima mas que tem um interesse legítimo e essencial na preservação do seu Mar e deve ser ouvida.
A Europa é, no fundo, um equilíbrio entre o Parlamento Europeu, que deverá ser a expressão maioritária dos europeus, e os Estados, que deverão ter em consideração os seus interesses mais específicos.
Os problemas relacionados com o Mar devem-se um pouco ao facto das Regiões não terem ainda um papel óbvio na Constituição Europeia. Existe o Comité das Regiões, é verdade, mas ele tem um papel meramente consultivo.
Acha que as questões relacionadas com a Pesca e com o Mar constituem a grande preocupação açoriana, que deve ser levada a Bruxelas? Quais as áreas prioritárias para os Açores a ser discutidas no Parlamento Europeu?
Eu diria que, de facto, é sem dúvida o Mar. Em primeiro lugar porque existe uma concepção de competência exclusiva da União Europeia sobre o Mar, e em segundo lugar porque é aquilo que mais tipifica os Açores. Estamos no meio do Atlântico, temos a maior Zona Económica Exclusiva da Europa, logo o Mar é a questão número um para os Açores na Europa. Mas temos outras questões muito importantes, nomeadamente as agrícolas. O sector agrícola está também entre as grande competências das instituições europeias, e nós continuamos a ser uma região agrícola.
Temos depois questões relativas ao desenvolvimento e aos fundos estruturais, também muito importantes. E ainda uma outra vertente, que tentei explorar o mais possível, e que se prende com a noção de que os Açores sempre foram na história um ponto de ligação no mundo. Fomos colonizados num movimento de globalização, e temos um papel importantíssimo nas relações entre a Europa e a América. Quando os Açores deixaram de ter esse papel tão relevante, de certa forma decaíram, e é preciso voltar a encontrar esse papel. As relações transatlânticas foram uma das grandes apostas dos meus mandatos. Fiz todo o possível para que os Açores aparecessem nas relações entre a Europa e os EUA.
Nos nossos dias não devemos ficar apenas pelas relações transatlânticas: a globalização é um facto; a Ásia está a tornar-se o continente mais importante, e nós temos de ter essa dimensão presente nas nossas preocupações, para além do Mundo Árabe, que é nosso vizinho e não o podemos ignorar. Por isso mesmo digo que uma Região como a nossa, que deve ter aspirações de existir no mapa do Mundo enquanto ponto de encontro de variados interesses, tem, por exemplo, de apostar muito nas línguas. Não haver nenhum centro de ensino de línguas internacionais chave nos nossos dias, como o russo, o chinês ou o árabe, é algo que me parece ser negativo, como disse quando me candidatei à Câmara Municipal de Ponta Delgada. Nós não podemos pensar que vamos ser uma Região com um papel no Mundo e depois não sermos capazes de comunicar com o resto do mundo. Podemos falar inglês, é claro, mas, como dizia o Comissário para o Multi-linguismo - que vai passar pelos Açores em Julho -, quem quer comprar o que quer que seja no Mundo, basta-lhe falar inglês. Mas quem quer vender, deve falar a língua dos seus clientes.
Em relação ao turismo, não podemos pensar “eles que falem inglês se querem cá vir”. Quem está a vender é que tem de se adaptar ao cliente, e não o contrário. E se o cliente for chinês, temos de o saber receber em chinês. E os chineses são dos fluxos turísticos que mais tem vindo a crescer no mundo.
O mesmo se verifica em relação ao mundo árabe: em Marrocos encontra-se com facilidade quem fale línguas europeias, mas no sul da Europa é raro encontrar quem fale árabe. Isso é um reflexo de uma relação desequilibrada com o Mundo Árabe, que não augura nada de bom. Nós vamos ter de entender o Mundo Árabe. Os árabes, como todos nós, querem paz, estabilidade, desenvolvimento, ver os seus filhos bem tratados… As diferenças são bastante menores que o que se pensa. Mas quando as pessoas têm a sensação de que são desprezadas, reagem mal e tornam-se nacionalistas. E isso abre um campo para fanatismos religiosos, e por aí fora, o que é muito complicado. Não quero com isto dizer que se deva ser condescendente para com os fanatismos, de modo algum! Mas para combatê-los é preciso uma atitude diferente: de estima em relação às pessoas. Temos de mostrar que não pretendemos ter uma relação de desprezo ou superioridade. Somos iguais, com histórias e lógicas diferentes, claro, mas devemos respeitar-nos mutuamente.

O que pensa do final do regime de quotas leiteiras?
Penso que a decisão de abolir as quotas leiteiras, ignorando o que estava a acontecer no mercado, não fez sentido. A decisão formal de iniciar a transição, aumentando as quotas, foi tomada quatro dias após ter sido conhecido um relatório da Comissão Europeia a falar dos graves desequilíbrios no mercado dos lacticínios. Isto revela uma enorme insensibilidade das instituições europeias, bem como incapacidade de resposta. A quota leiteira é um instrumento de gestão do mercado. Posto isto, o alargamento das quotas numa situação de prosperidade dos mercados pode fazer sentido, mas quando se está em situação de crise é de certeza um erro crasso.
O fundamental do problema teve a ver com a crise dos mercados internacionais. Os lacticínios foram um dos sectores mais afectados pela actual crise. Desse ponto de vista, acho que devíamos actuar tendo isso em conta.
Hoje em dia vemos que os lacticínios açorianos vão ser cada vez mais utilizados em marcas brancas. Isso é um absurdo, e revela uma falta de capacidade de fazer vingar a marca açoriana. Isso é que me preocupa, porque nós investimos muito em infra-estruturas modernas, para produzir em massa, mas ligamos pouco às questões da inovação, da comercialização e da qualidade. E isso é que é fundamental. Por exemplo, aqui no Faial, devia potencializar-se o facto de ser uma pequena ilha, onde conseguimos apostar nas características específicas do produto. Há anos apareceu uma ideia de se fomentar a produção biológica aqui, que entretanto se esbateu. Essa era uma ideia interessantíssima, mas que não se pode materializar numa estratégia onde se investe apenas em estruturas industriais de grande dimensão e automatização. Isso não me parece positivo. Para podermos enfrentar maior concorrência a estratégia tinha de ser essa. Numa lógica em que fazemos produto branco, sem marca, só interessa fazer a um custo mínimo, e isso é difícil aqui nos Açores, com as nossas pequenas estruturas, os nossos problemas de acessibilidade…

E em relação às pescas?
O grande desafio é convencer as instituições europeias de que as águas dos Açores não têm capacidade para suportar mais do que a frota açoriana. E mesmo a nossa frota tem de ser gerida com muito cuidado. Temos muitos problemas para os quais devemos olhar de forma séria. Por exemplo, a pesca desportiva: a nossa pesca e os nossos recursos são tão frágeis que a pesca desportiva tem aí um impacto real. Não pode ser ignorada. Até porque a pesca desportiva acaba por significar a venda fora de lota de uma parte importante daquilo que faz. São coisas pequenas, de facto, mas os nossos recursos são frágeis. Temos de encontrar uma forma de ter maior consciência dos limites da pesca sustentável.
Eu acho que o melhor modelo é o que é utilizado por exemplo na Galiza, onde em cada porto de pesca os próprios produtores se organizam para serem eles a controlar o esforço de pesca. Isso era muito importante, se fosse feito.
Temos de ir para um modelo de maior sustentabilidade, e no sentido de criar maior valor acrescentado. Temos de apostar na pesca turística, que é o que se faz em toda a Europa. É a forma de, com menor quantidade de peixe pescado, conseguir um rendimento muito maior para o pescador, que é o que interessa.
O facto dos Açores serem considerados uma Região Ultra Periférica (RUP), e de haver uma certa unidade entre as regiões com estas características na Europa é benéfico de que forma?
É fundamental. Aliás uma das coisas de que mais me orgulho foi de ter proposto, ainda no primeiro mandato, aos meus colegas das RUP’s a constituição de um grupo informal de deputados dessas regiões. Tem sido um grupo muito operacional; uma rede que nos permite fazer com que os nossos interesses sejam mais tidos em conta, e eu espero que isso continue a funcionar dessa maneira. Espero que os deputados portugueses que lá ficarem, principalmente o meu camarada e amigo Luís Paulo Alves, continuem esta experiência.

Tem pena de não avançar para outro mandato em Bruxelas?
Não direi tanto. Estive disponível para assumir quaisquer desafios que me fossem propostos. Em relação ao desafio europeu, estaria disponível para consolidar algumas coisas que não tive tempo para consolidar, nomeadamente a nível internacional. E era esse o meu objectivo central. Durante este tempo, encaminhei dezenas de refugiados iraquianos para o Alto Comissariado das Nações Unidas, e continuo a receber pedidos, e custa dizer “Peço imensa desculpa, mas agora não há nada que eu possa fazer”. Mas de outros pontos de vista, acho que o Luís Paulo é um excelente candidato, que vai de certeza dar continuidade ao que fiz, e tem uma relação muito directa aos Açores.
Encaro com satisfação o desafio de me candidatar à Câmara Municipal de Ponta Delgada, que será um papel mais executivo, de lidar com coisas mais quotidianas, mas que também necessitam de visões europeias.

A sua bagagem europeia será então uma mais-valia no caso de ficar a liderar a Câmara Municipal de Ponta Delgada?
Acho que sim. Para nós desempenharmos bem as nossas funções temos de conhecer tudo em todo o lado. É bom para alguém que esteja na Europa conhecer a realidade autárquica, e é bom para alguém que esteja à frente de uma autarquia conhecer a realidade europeia.

De todas as actividades desempenhadas na Europa ao longo destes 10 anos, foi o trabalho ao nível das relações com o Médio Oriente o que mais o marcou?
É difícil responder, mas é aquela área onde vejo a minha presença mais necessária. Em relação a todas as questões relativas ao mar, à agricultura, à natureza, não acho que seja tão indispensável como neste domínio. Eu acho que aí fiz um percurso que é um pouco único. Nenhum dos meus colegas se perdeu no Iraque e eu, de facto, perdi-me no Iraque.
Esse domínio foi também o que lhe trouxe mais momentos amargos…
Sim. Repare, tratou-se de enfrentar o terrorismo internacional, e diariamente por a nú o facto da intervenção militar ocidental, supostamente feita para atacar um ditador que teria um programa de armas de destruição maciça e ligações com a Al-Qaeda, se basear em pressupostos inventados, e ter servido para impor no Iraque um dos piores terroristas internacionais.
Acho que se seguirmos este caminho vamos ter grandes dissabores. O que se passa no Médio Oriente vai ter repercussões enormes na Europa.
Fico escandalizado ao ver aquilo que o Expresso fez e continua a fazer, ao insinuar que “Paulo Casaca é amigo de terroristas”. Os responsáveis editoriais daquele jornal vão para Tribunal fazer declarações que mostram a sua total ignorância. Mas acham que fizeram muito bem em sentenciar que eu sou amigo de terroristas. Isto é inconcebível; não consigo conceber que tenhamos em Portugal uma elite que faz gala da sua ignorância. O problema em relação ao Iraque é precisamente esta ignorância feita arrogância, que não é um problema só dos EUA.
Uma das coisas que mais lamento foi a forma como a minha proposta de se constituir uma comissão rigorosa de inquérito sobre as razões que levaram à invasão do Iraque foi chumbada. Acho decisivo fazer essa Comissão de Inquérito, não por uma questão de guerrilha política mas para perceber como é que isto foi possível, porque só escalpelizando os erros é que se pode evitar que eles se repitam. A visão que nós temos da questão do Iraque é superficial, a essência está por compreender, e muitas responsabilidades estão por assumir.
Tal como as Nações Unidas lançaram uma investigação criminal sobre o Darfur, acho que tem de fazer-se o mesmo sobre o Iraque, doa a quem doer.

Nessa área, quais são as suas expectativas em relação à administração Obama?
Obama, no ponto de vista da aproximação internacional, acertou em muita coisa. Tem sido um excelente diplomata. Entrou numa situação muito complicada, vamos ver se vai conseguir responder aos desafios.
Por exemplo, do ponto de vista energético, acho que vai num óptimo caminho. Quanto ao relançamento da economia americana, acho que continua a faltar a noção de que isto é um problema de regulação financeira macro-económica. Em relação ao Médio Oriente, vamos a ver. Há alguns factos algo preocupantes. Por exemplo o facto dele ir à Turquia é excelente, mas quando ao mesmo tempo se vê obrigado a ignorar o genocídio arménio para lá ir, isso é um problema, não estou de acordo. Mas é positivo ver que não há obstáculos da parte dos EUA em dialogar. Ainda há um grande trabalho por fazer no sentido de perceber quem é quem na geopolítica do Médio Oriente. Esta história de que o Afeganistão é mais importante de que o Iraque, por exemplo, é algo com que não concordo.

Do seu claro interesse pela política internacional e do seu percurso ao longo destes anos, podemos esperar um regresso a Bruxelas daqui a alguns anos?
Voltar ao Parlamento Europeu penso que não. Mas desempenhar qualquer função a nível internacional é uma hipótese que não ponho de lado, a longo prazo.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Faial recebe Feira Agrícola Açores 2009 entre 11 e 14 de Junho

"Maior feira desde sempre organizada no Faial”




As palavras são do secretário regional da Agricultura e Florestas, que falava na apresentação da Feira Agrícola Açores 2009, que decorreu na passada quarta-feira. Noé Rodrigues frisou que o evento vai fazer do Faial a “capital da agricultura açoriana”, entre os dias 11 e 14 de Junho, data em que se realiza, no Parque de Exposições da ilha do Faial, na Quinta de São Lourenço.
O secretário congratulou-se com a participação de todas as ilhas neste certame, que irá, segundo o governante, mostrar “o caminho de qualificação” que se vem trilhando na produção agrícola açoriana. Noé Rodrigues frisou que, com este tipo de iniciativas, pretende-se “ganhar empreendedorismo” e “orgulho naquilo que temos”. Apicultura, concurso de queijos, demonstrações de arte floral, concurso de méis, demonstrações de artesanato e, claro está, concurso de bovinos e equinos são apenas algumas das actividades programadas para os quatro dias de Feira. O certame terá, entre outras coisas, uma representação da Ovibeja, provas da Taça Açores de Dressage e o I Concurso Nacional de Raça Angus, que começa a ganhar destaque quando se fala da produção de carne. Estarão representados no recinto da Feira três restaurantes faialenses. Noé Rodrigues explicou que a única condição imposta foi que trabalhassem os produtos da Região, numa lógica de promoção e divulgação dos mesmos, que é, afinal, o objectivo principal que norteia este evento. Neste sentido, será promovido um grande churrasco com carne dos Açores. Quanto ao programa lúdico, Rodrigues realçou a sua diversificação, com os grupos do Triângulo em destaque. Para além destes, actuarão na Feira Agrícola a tia Maria do Nordeste, os Rádio Macau e Fernando Girão. Haverá também uma passagem de modelos, fruto da colaboração da Câmara do Comércio e Indústria da Horta neste evento. Para fazer jus às dimensões de que revestirá este evento, está a ser construído um Pavilhão de Concursos, com mais de 1500 metros quadrados, que o secretário garantiu estar concluído a tempo da Feira. Este pavilhão coberto é um investimento que pretende não só servir este evento, mas dotar o Faial de mais um pavilhão multi-usos. O governante disse ainda estarem a ser feitas as diligências no sentido de disponibilizar um amplo parque de estacionamento gratuito aos visitantes, bem como de garantir horários de transporte marítimo adequados à programação da Feira. Haverá ainda um autocarro a fazer gratuitamente a ligação entre o cais e o Parque de Exposições. No final da apresentação, Noé Rodrigues frisou que os empresários agrícolas são, simultaneamente, os “principais obreiros e destinatários” desta iniciativa, e como tal congratulou-se particularmente com a colaboração das Associações de Agricultores da ilha. Para além destas, a Secretaria Regional da Agricultura e Florestas tem como parceiros nesta organização a Câmara Municipal da Horta e a Câmara do Comércio e Indústria da Horta.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Marcha da Semana do Mar 2009

Este ano será a jovem Renata Rodrigues a voz da Semana do Mar. A letra da marcha é da responsabilidade de Victor Rui Dores, e a música de Fernando Goulart.
Aqui fica um cheirinho:

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Vannes/Horta/Vannes larga da França a 25 de Julho

Faial espera “época naútica muito forte”


As palavras são do presidente da Câmara Municipal da Horta, João Castro, que falava na apresentação da regata internacional Vannes/Horta/Vannes, que decorreu na manhã de ontem, na Marina da Horta.
O autarca congratulou-se com o facto da Horta poder acolher uma “regata competitva, numa classe emergente na náutica internacional”, ao mesmo tempo que realçou o facto deste evento representar o retomar de uma ligação existente entre as cidades da Horta e de Vannes, no âmbito da qual se realizaram na década de 90 três regatas internacionais que ligaram aquela cidade francesa aos Açores, e nas quais participaram tripulantes faialenses, como é o caso de Armando Castro, um dos responsáveis pela organização deste evento.
João Castro salientou que a recepção deste tipo de regatas – este ano serão cinco as regatas internacionais a escalar a Horta – é também ilustrativa da enorme dinâmica do nosso porto.
À Câmara Municipal juntam-se na Comissão Organizadora a Administração dos Portos do Triângulo e do Grupo Ocidental, SA (APTO), o Clube Naval da Horta e a Associação Regional de Vela dos Açores.
Fernando Nascimento, presidente do Conselho de Administração da APTO, também se congratulou com a passagem pela Horta desta regata internacional, considerando ser uma responsabilidade da entidade que preside apoiar este evento que “prestigia o porto da Horta, projecta o Faial e os Açores e afirma a nossa particular vocação marinha insular”.
Também Hugo Pacheco, presidente do Clube Naval da Horta, considera uma “honra” participar nesta organização. Pacheco frisou a importância que terá a presença de skippers muito experientes na ilha do Faial, que permitirá aos atletas locais aprender mais sobre vela. O presidente do Naval da Horta destacou ainda o facto dos barcos que integram esta regata irem participar na Regata do Canal, durante a Semana do Mar, possivelmente com alguns tripulantes faialenses, o que representará uma oportunidade única de intercâmbio de conhecimentos e experiências.
De facto, como referiu Armando Castro, a preocupação em proporcionar esse tipo de experiência aos velejadores faialenses foi transversal em todo o processo de organização, de tal modo que aos barcos que não participarem na Regata do Canal será imposta uma penalização de 48 horas.

2.ª edição da Atlantique Pogo
Esta regata é organizada pela Association International Pogo, e surge como uma segunda edição da Atlantique Pogo, regata que em 2007 ligou as cidades da Horta e de Douarnenez. O sucesso desta regata oceânica levou a que a iniciativa fosse repetida, desta feita ligando Vannes e Horta, de forma a lembrar a regata internacional realizada por três vezes na década de 90 entre as duas cidades.
Esta regata destina-se a embarcações da classe Pogo 8.50 e 10.50, podendo ser tripuladas por um ou dois velejadores, conforme explicou Armando Castro.
A primeira etapa (Vannes/Horta) largará a 25 de Julho, e a segunda etapa (Horta/Vannes), a 13 de Agosto. Está previsto que os velejadores demorem cerca de 8 dias a cumprir as 1250 milhas náuticas de cada etapa.
Experiente nas andanças da Vela, Armando Castro explicou que se aguarda uma primeira etapa mais complicada, com ventos contrários e com um percurso com grandes exigências técnicas para os velejadores, entre outras coisas devido às várias possibilidades de escolha no momento de aproximação da cidade da Horta.
Apesar de ainda não ser possível contabilizar o número de participantes nesta regata, são esperadas já cerca de 20 embarcações. Em 2007 foram nove os barcos que se fizeram ao mar nesta regata, e vários desses velejadores pretendem voltar à Horta nesta edição.
Esta regata foi apresentada no Salão Náutico Internacional de Paris em Dezembro de 2008.

Comissão Náutica Municipal
Na apresentação desta regata, o presidente da CMH informou que a autarquia está a criar uma Comissão Náutica Municipal. A ideia é reunir várias entidades na perseguição de objectivos comuns, respondendo de forma eficaz ao grande potencial náutico da cidade da Horta.


Vídeo: Maria José Silva
Gui Menezes faz balanço positivo do Simpósio Internacional

Faial no “centro do mundo da investigação do mar profundo”

O Simpósio Internacional que juntou mais de 20 nacionalidades a debater as questões relacionadas com os ecossistemas marinhos de profundidade na Horta na passada semana foi bastante produtivo, e permitiu alargar conhecimentos e trocar ideias, numa perspectiva multidisciplinar sobre esta temática. Quem o diz é Gui Menezes, do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dosores, responsável pela organização do evento, que contou com mais de 170 participantes. O simpósio foi transmitido através da Internet para todo o mundo, e, para além dos participantes que encheram o salão do Amor da Pátria, foi possível a uma média de 300 pessoas por dia assistir on line ao evento. Como refere Menezes, o Faial foi, verdadeiramente, “o centro do mundo da investigação do mar profundo” durante quatro dias. Apesar das dificuldades inerentes a pôr de pé um evento destas dimensões, o investigador mostra-se satisfeito com o resultado, e sente-se recompensado pelo feedback positivo que tem recebido. Destacando o trabalho de voluntariado da equipa do DOP e os apoios recebidos, não tem dúvidas de que o Faial tem condições para receber mais eventos do género.

Porquê fazer o simpósio na Horta?

O simpósio foi realizado no âmbito do ICES (International Council for the Exploration of the Sea). Eu e vários colegas participamos em alguns grupos de trabalho dessa organização internacional, que tem sede em Copenhaga, e de que Portugal faz parte. Há dois anos, o ICES propôs a realização de um simpósio que tratasse das questões relacionadas com o mar profundo. Na altura eu estava na reunião desse grupo de trabalho e propus que o simpósio fosse cá.

Alguns colegas irlandeses também mostraram interesse em que fosse na Irlanda, mas o ICES decidiu que fosse no Faial. Naturalmente que, tratando-se do mar profundo, os argumentos que utilizei para “ganhar” a candidatura prenderam-se com o facto dos Açores serem um arquipélago todo rodeado de mar profundo, portanto faria todo o sentido. Além disso já tínhamos alguma experiência no estudo destas questões, nomeadamente na área das pescas.


Que balanço faz deste simpósio?

São vários os balanços a fazer; foi um simpósio bastante denso. Tivemos durante quatro dias na Horta os maiores especialistas mundiais nas várias áreas relacionadas com o mar profundo. Por ser um simpósio multidisciplinar não se cingiu apenas às questões da biologia e da ecologia, mas abordaram-se várias outras questões: questões de governação e direito internacional no âmbito da gestão dos oceanos, questões relacionadas com as alterações climáticas (um tema que nos preocupa a todos hoje em dia), questões da bio prospecção e das novas tecnologias, entre outras. Penso que essa multidisciplinaridade atraiu muitas pessoas ao simpósio, pois há necessidade de sabermos que progressos ocorrem noutras áreas do conhecimento. Essa troca de experiências foi muito produtiva.
Pessoalmente, como organizador do simpósio, confesso que superou as minhas expectativas, em termos da qualidade das apresentações, e da pertinência dos assuntos tratados.
No final escolhemos uma pessoa de cada uma das temáticas abordadas, e pedimos-lhes que fizessem um sumário. Esses sumários irão ser compilados, numa síntese daquilo que foi abordado aqui durante estes dias.
Quanto às questões do âmbito governativo, ficou claro que os instrumentos legais internacionais para a gestão dos oceanos necessitam de ser aperfeiçoados e de contemplar questões que estão a surgir, e que não estavam previstas, por exemplo, quando a Lei do Mar foi aprovada. Sabemos que o oceano profundo começa a ser muito cobiçado por empresas privadas e esse facto é visto de acordo com duas linhas de pensamento: uma defende que o mar profundo é património da humanidade; outra que se deve seguir um sistema competitivo, e que quem chegar primeiro adquire direitos de exploração.

Relativamente aos Açores em particular, falou-se das questões legais associadas ao relacionamento da Região com a República, e da necessidade, por exemplo, de planeamento da área marítima portuguesa, onde há zonas de fronteira e conflito entre as legislações nacional e regional, e ao nível das competências de cada um dos órgãos governativos. Estas situações têm de ser aperfeiçoadas e esclarecidas.

Quanto à bio prospecção, esta coloca-nos actualmente questões muito complicadas, até do ponto de vista ético. Ouvimos pessoas desta área que nos disseram que há empresas a patentear o genoma de alguns organismos de profundidade. Como sabe, ainda não se conhecem muito bem esses organismos, mas sabemos que, como vivem em ambientes extremos, podem ter características muito úteis ao Homem, ao nível da Medicina. Já sabemos que, por exemplo, nas fontes hidrotermais existem alguns organismos com potencial para a biomedicina. Isto coloca-nos questões éticas: não foram essas empresas que inventaram aquele organismo; ele foi criado pela natureza. Com é que é possível que uma empresa adquira direitos sobre esses organismos, que no fundo também são património da humanidade? Tudo isto está agora a ser discutido.
Falámos ainda dos últimos desenvolvimentos tecnológicos. Um colega norte-americano, um dos grandes especialistas da engenharia no que toca a desenvolver veículos para ir às profundezas do oceano, falou-nos dos desafios inerentes a essa actividade, e daquilo que está a ser feito de momento. Disse-nos, por exemplo, que dentro de alguns meses vão enviar um veículo a uma profundidade de 11 mil metros, o que trará mais-valias importantes para a ampliação dos conhecimentos. Falámos também do grande desenvolvimento a que se tem assistido nos observatórios subaquáticos. Temos um exemplo de grande sucesso na costa da Califórnia. Estão a ser desenvolvidos alguns observatórios desse tipo na Europa, e pensa-se que um deles possa ser instalado numa fonte hidrotermal açoriana.
Falámos também de pesca e dos problemas que continuam a existir em relação a esta questão. Naturalmente que muitas das pescarias industriais de profundidade não são sustentáveis e têm provocado impactos enormes nos fundos marinhos. Essa preocupação é cada vez maior. Neste aspecto, o simpósio foi interessante porque ouvimos não só os cientistas mas também o outro lado desta questão: esteve presente um organismo do Índico que reúne várias associações de pescadores que pescam em profundidade e também vieram dar a sua perspectiva sobre estas questões. Houve um confronto interessante entre os cientistas, mais defensores de que seja, por exemplo, proibido o arrasto em águas internacionais, e os pescadores. Todos procuram conciliar a manutenção dos ecossistemas com a melhor exploração possível dos recursos que esses oferecem, para o desenvolvimento dos países.
Houve palestras muito interessantes em relação às alterações climáticas. É um problema que atinge também as profundezas, e de uma forma bastante dramática. No início do século XIX pensávamos que não havia vida além dos 600 metros. Hoje sabe-se que a biodiversidade das grandes profundezas é enorme. Têm-se descoberto variadíssimas espécies. Em relação ao impacto das alterações climáticas nessas espécies, sabemos que bastam pequenas alterações na acidificação dos oceanos para causar transformações enormes nesses ecossistemas do mar profundo, pois estes não se adaptam tão rapidamente como outros ecossistemas mais à superfície, por isso as alterações climáticas podem provocar mudanças enormes nos fundos marinhos.

Tendo em conta todas as conclusões saídas desta simpósio, quais os desafios que se colocam à Região quando falamos de ecossistemas de profundidade?
Colocam-se vários desafios. Um deles é o que se prende com a governação e a gestão. Há que saber de quem são as competências, defini-las muito bem e, por outro lado, tentar tirar o máximo proveito das riquezas que temos. Uma das temáticas abordadas nesta área foi a exploração mineira: hoje sabemos que nos fundos marinhos há um grande potencial nessa área. Zinco, cobre, ouro, são exemplos de matérias-primas que começam a rarear na superfície terrestre mas, tal como acontece com o petróleo, existe ainda um grande potencial por explorar nos oceanos. Nos Açores esse potencial existe, segundo os nossos colegas geólogos. É preciso cartografar muito bem os potenciais locais de exploração, e saber explorá-los de uma forma sustentável. Julgo que não podemos ter uma visão romântica dos fundos marinhos. Os Açores devem aproveitar os recursos que têm desde que isso seja bem feito e não prejudique o ambiente. Tivemos a possibilidade de conhecer no simpósio a única empresa mundial que neste momento tem uma licença de exploração de zinco e de cobre na Papua Nova Guiné. É um trabalho excepcional, onde colaboram cientistas de várias áreas, não só no que toca ao desenvolvimento tecnológico mas também quanto ao estudo do impacto ambiental provocado por esta actividade. Uma das áreas com grande potencial para a exploração mineira são as fontes hidrotermais. Estes são no entanto ecossistemas muito vulneráveis, e, portanto, tem de haver um grande cuidado nessa exploração.
Temos de encontrar formas de tirar mais-valias das nossas riquezas aquáticas. Não nos serve de nada dizermos que temos um milhão de km2 de mar e depois não tirarmos partido desses recursos. Isso exige um grande esforço financeiro.
Quanto à exploração mineira, eventualmente a melhor abordagem será estabelecer parcerias com empresas privadas com experiência na área. Penso que podemos avançar para esse tipo de coisas, para diversificar a nossa economia. Temos é de fazer um estudo prévio, o que é outro desafio. Portugal só recentemente se foi apetrechando com plataformas de investigação. Temos dois navios excelentemente equipados e já temos também um veículo remotamente operado (ROV) que vai a seis mil metros de profundidade. Neste momento somos um dos únicos países do mundo a ter um veículo com estas capacidades. Toda a comunidade científica e os governos nacional e regional estão esperançados em perceber melhor o potencial da exploração mineira.
99% da área marinha dos Açores é oceano profundo, e dessa área muita é ainda desconhecida, até porque não temos capacidade técnica de lá chegar. Mas com este avanço tecnológico vamos começar a ter uma ideia mais real desse potencial.
Do ponto de vista da biologia do mar profundo, os Açores são uma zona extremamente interessante pois estamos numa área de fronteira entre vários ambientes, e por isso temos uma variedade de ecossistemas de profundidade: fontes hidrotermais, montes submarinos, planície abissal, zona da cordilheira médio-atlântica... Todos são ecossistemas distintos uns dos outros, e esta diversidade é excepcional.


Como caracteriza o trabalho que tem sido feito pelo DOP no estudo desses ecossistemas?

Penso que nos últimos anos, e graças também a parcerias internacionais que temos conseguido, temos crescido em termos de know-how e de “massa cinzenta”. Actualmente, grande parte das pessoas que trabalha no DOP tem doutoramentos, muitos deles feitos em universidades estrangeiras. São investigadores com experiência de contacto com outras equipas de investigação, que vêm extremamente bem preparados e que nos permitem entrar nessas redes de investigação e dar passos muito interessantes, inclusive quanto à nossa produtividade científica. Esta mede-se tradicionalmente com o número de publicações em revistas científicas, e nesse aspecto estamos muitíssimo bem colocados, mesmo em termos nacionais.

Temos dado passos muito importantes em várias áreas, mas eu destacaria a pesca de profundidade, onde já temos boas bases de dados, e também as fontes hidrotermais. Começamos também a explorar novas áreas, como é o caso da biotecnologia, que me parece ter futuro aqui nos Açores, nomeadamente quanto à exploração da potencialidade dos organismos de profundidade, de que já falámos.
O estudo do funcionamento dos montes submarinos tem sido também muito importante. Na Região temos mais de 300 montes submarinos, 63 dos quais são grandes. O funcionamento deste tipo de ecossistemas ainda é pouco conhecido, e nós temos capacidade de estudá-los, porque estão aqui à porta. Julgo que vamos conseguir, e podemos ser líderes da investigação mundial nessa área.


Essa é uma ambição do DOP?

É uma ambição de alguns dos nossos grupos de trabalho. Temos um projecto bastante ambicioso, aprovado no ano passado, no âmbito do qual pretendemos fazer de um monte submarino uma zona de estudo só para a ciência. Queremos fechar temporariamente um monte submarino à pesca para podermos lá pôr equipamentos e estudá-lo aprofundadamente, de modo a tirar ilações para os outros. Mais de 60% da nossa pesca é efectuada em montes submarinos, e temos de conhecê-los melhor até porque sabemos que faltam conhecer alguns detalhes fundamentais para poder garantir uma pesca sustentável. Um monte submarino protegido em 63 não será muito. Nós precisamos de fazer experimentação, de ter material fundeado, e como os equipamentos são muito caros não podemos correr o risco de um aparelho de pesca passar por cima e estragar a experiência ou os equipamentos.

Tendo em conta aquilo que o DOP tem observado nos seus estudos, se lhe pedisse que me fizesse um “diagnóstico” dos ecossistemas marinhos de profundidade, o que me diria?

Felizmente as nossas artes de pesca não são muito destrutivas. Utilizamos essencialmente linhas de mão e palanque de fundo. Mas sabemos que qualquer arte de pesca tem algum impacto, nalguns sítios mais que outros. Temos que ter alguns cuidados, principalmente para o futuro. Como só agora é que estamos a adquirir meios que nos dão mais capacidade de visão sobre os nossos fundos marinhos, vamos começar a perceber melhor o estado desses locais. De um modo geral, penso que não nos interessaria termos mais barcos de pesca, pois os nossos recursos estão no limite de exploração. O nosso esforço de pesca está no ponto crítico do balanço entre a economia da pesca e uma exploração sustentada dos recursos. Passar este ponto é arriscar, até porque estamos a falar de ecossistemas bastante vulneráveis.
Além disso estamos isolados geograficamente das margens continentais, o que significa que muitas das espécies que aqui vivem e se reproduzem dependem exclusivamente desta região. Ao sobrexplorarmos uma destas espécies temos de contar com muitos anos para recuperar. Por isso devemos limitar o esforço de pesca.

No simpósio, notou sensibilidade das entidades governativas no sentido de garantir esse equilíbrio?

Notei. Nós tivemos membros do governo na sessão de inauguração do evento, e tivemos representantes da administração regional e nacional permanentemente no simpósio a adquirir informação e a perceber o que se está a passar no mundo em termos de mar profundo. Tivemos também vários organismos internacionais que mostraram muito interesse em participar. O oceano profundo está cada vez mais sob pressão, e às vezes o desenvolvimento económico da exploração dos recursos é mais rápido que a nossa capacidade para perceber os sinais dos ecossistemas.

Falando um pouco mais do aquecimento global, que impacto se conhece que tenha nos ecossistemas de profundidade?
Esses impactos ainda são pouco conhecidos, mas foram dados exemplos bastante preocupantes. O oceano absorve grande parte do dióxido de carbono da atmosfera. Este é responsável por um fenómeno químico que altera o PH dos oceanos tornando-os mais ácidos. Os organismos que não tenham capacidade de tolerar essas diferenças de acidez morrem.
A última palestra do simpósio foi feita a partir de Itália, em videoconferência, com um professor que tem um trabalho muito recente em que estuda bactérias e vírus do oceano profundo. Ele afirma que há um equilíbrio muito grande entre uns e outros, que contribui para reciclar a matéria orgânica no oceano. No Mediterrâneo foi possível ver que pequenas alterações no PH do fundo do mar provocam uma mortalidade enorme nesses vírus, que deixam de poder matar as bactérias e todo o ciclo é afectado. E todos os ciclos acima vão ser afectados. É um efeito bola de neve, e pode ter implicações enormes para o oceano.